Hospitais já começaram a selecionar doentes que vão receber cuidados intensivos
O caso mais preocupante é o hospital de Penafiel, cujos enfermeiros reportam queixas à Ordem por serem obrigados a trabalhar em cuidados intensivos, sem terem formação para operar com o ventilador.
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Os hospitais já começaram a selecionar os doentes que vão receber cuidados intensivos. A bastonária da Ordem dos Enfermeiros dá o exemplo do hospital de Penafiel, onde já não há lugar para todos, devido ao número crescente de pacientes dianosticados com Covid-19.
As equipas começam a ter de fazer escolhas, denuncia, em declarações à TSF, Ana Rita Cavaco. O hospital de Penafiel está "há vários dias muito, muito pressionado", com "196 doentes positivos internados", dos quais mais de cem foram transferidos, garante a bastonária.
"Claramente há um surto que está descontrolado na comunidade, e continua descontrolado. É isto que nós não conseguimos perceber."
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Ana Rita Cavaco conta que tem recebido queixas de enfermeiros do hospital de Penafiel, que não têm formação em cuidados intensivos, mas são forçados a prestar os cuidados em unidades criadas à pressa. "Não há lugar para todos, por exemplo, no hospital de Penafiel, e daí o motivo de estarem a fazer transferências destes doentes, inclusive para hospitais em Lisboa, e há efetivamente uma capacidade finita dos cuidados intensivos, que obriga a ter de escolher que doentes se pode colocar em cuidados intensivos, e quais aqueles que têm condições para permanecerem em unidades de cuidados intensivos."
A bastonária dos enfermeiros sublinha que a segunda vaga da pandemia era prevísivel e que o Governo não soube preparar-se para a situação que o país está agora a enfrentar. Era "expectável" que a segunda vaga fosse pior, argumenta Ana Rita Cavaco, pelo que a preparação para esse cenário era necessária, em vez de "ficarmos deslumbrados com o verão e com o facto de os casos terem começado a descer".
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A bastonária da Ordem dos Enfermeiros critica o "desmantelamento" de unidades e serviços que tinham sido preparados na primeira vaga. "Houve incúria e houve inação. Se nada disto foi feito, o que nos resta é gerir o dia-a-dia, e, quando eu tenho de gerir o dia-a-dia, se não tenho vagas suficientes, implica fazer escolhas."
Essas escolhas "vão ser feitas no dia-a-dia, são feitas em equipa, são muito difíceis" e são algo de que os profissionais de saúde "não gostam de falar", já que "só quem passa por isto compreende", sustenta Ana Rita Cavaco.
Os critérios de seleção, acrescenta, "têm a ver com a pessoa em si, com a pessoa como um todo, com as doenças que ela tem, com a capacidade de sobrevivência", ou seja, com a avaliação ao estado da pessoa. A idade não é decisória, mas "também entra como um critério", que não é "único" nem "exclusivo".
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Ana Rita Cavaco frisa que Portugal não tem "uma capacidade infinita de unidades cuidados intensivos" e que "muitas destas camas de cuidados intensivos que agora existem foram camas ou serviços feitos à pressa", o que tem motivado muitas queixas de enfermeiros à Ordem nos últimos dias. "Estão a transformar as suas unidades em cuidados intensivos", mas as equipas não têm "experiência para esta função ou para lidar com o ventilador", o que a representante dos enfermeiros considera ser "preocupante".
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A bastonária dos enfermeiros admite também vir a apresentar queixa contra um lar de Ourém, onde uma enfermeira infetada com Covid-19 foi obrigada a trabalhar durante dez dias. No lar Geração Elite Senior em Ourém, não foi acionada qualquer das brigadas de intervenção rápida criadas, e os testes dos utentes e funcionárias deram todos positivo. O da enfermeira em serviço também, mas, por ser a única profissional de saúde no local, teve de continuar a trabalhar registando as temperaturas e os sintomas dos utentes para as comunicar à saúde pública.
O caso foi divulgado na internet, num grupo de enfermeiros, e a bastonária conseguiu que a profissional de saúde fosse para casa. "Não sei o que passou pela cabeça desta delegada de saúde. Eu acho que isto é desumano, não estamos na altura da escravidão." Ana Rita Cavaco defende que a ação da responsável colocou os pacientes em risco. Avançar com uma queixa é algo que está dependente da enfermeira visada. "Claro que, se ela não tivesse saído logo uma hora depois de nós termos denunciado a situação, teríamos mesmo de fazer qualquer coisa para a tirar de lá no imediato." Resolvida a situação, a enfermeira dará um parecer quanto à possibilidade de ser apresentada queixa, mas Ana Rita Cavaco diz não ter a certeza de ter sido cometido "um crime público".
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