Médicos sofrem com distanciamento e pressão. O que mudou em seis meses de Covid-19 no S. João
Desde que a 2 de março Portugal anunciou o primeiro paciente com Covid-19, o Hospital de Sâo João, que o recebeu, alterou rotinas, tentou travar os contágios e reorganizou espaços. Os médicos dizem ter sofrido com as transformações.
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"Uma espécie de crescimento como o de uma mancha" foi o que registou o Hospital de São João, no Porto, desde que há seis meses recebeu o primeiro paciente em Portugal com Covid-19. É desta forma que Carlos Lima Alves, coordenador da área de controlo de infeção e antibióticos do hospital, descreve a corrida que a equipa teve de fazer para se reorganizar a tempo de dar resposta à pandemia.
A metáfora do médico ilustra a dimensão das dificuldades. "Vamos imaginar um líquido em que nós colocamos outro líquido que não se dissolve, mas que vai crescendo e que vai alargando. Foi desta forma: uma mancha que foi surgindo ao longo do hospital..." Toda a unidade de saúde sofreu modificações profundas, assinala Carlos Lima Alves. Para estancar a mancha, os clínicos viram-se forçados a alterar a forma de organizar os espaços: "Começámos a aumentar as áreas no serviço de urgência para receber os doentes suspeitos, começámos a aumentar as áreas no internamento para os receber. Depois do internamento, alguns casos começam a complicar-se e entram em cuidados intensivos."
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E os esforços não ficaram pelas unidades de urgência e de cuidados intensivos, estenderam-se a todo o hospital, até porque o fluxo de doentes com outras patologias também o exigia. "Começámos a alargar as áreas, e alargámos significativamente o número de camas de cuidados intensivos, dentro dos quais separámos para um lado os doentes Covid e para o outro lado os doentes não-Covid, que continuaram a ter de ser atendidos. Continua a haver traumatismos cranioencefálicos graves, acidentes, cirurgias complicadas e de urgência que necessitavam de cuidados intensivos."
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Até o contacto entre profissionais de saúde se viu alterado, e Carlos Lima Alves admite que o distanciamento social foi o mais difícil de ultrapassar, numa altura em que os desafios laborais eram muitos e a pressão recaía sobre os médicos. "Aquilo que mais nos marcou foi a mudança social do hospital, os seus aspetos sociais, o seu conforto, por assim dizer. O sentimento de à-vontade que existia quando entrávamos no hospital de repente quebrou-se."
"Tivemos, durante muitos dias, e ainda temos, profissionais que entram no local e que sentem uma diminuição do seu à-vontade em relação ao que era normal antes da era Covid", reconhece o médico.
A pandemia mudou a vida de todos, a começar dentro das unidades de saúde, aponta Carlos Lima Alves."As pessoas entram no hospital e vão sendo constantemente recordadas de que há um perigo iminente, de que há algo que pode ser uma ameaça. Perdeu-se algo no nosso conforto laboral e na nossa qualidade de vida profissional."
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