Desde a falta de contacto até respostas completamente insensíveis, os dedos de vários cidadãos do Vale da Amoreira, na Moita, apontam para o mesmo sítio: o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU). "Disse para meter os meus pais num lar porque, com a idade que eles tinham, pouco tempo iam durar", aponta uma cidadã.
Corpo do artigo
O momento é de partilha numa sessão com algumas dezenas de pessoas e um microfone no centro da sala. À vez, vários habitantes do Vale da Amoreira foram queixar-se de falta de respostas e, amiúde, lembravam o artigo 65.º da Constituição: "Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar".
No centro de muitas das críticas, neste encontro promovido pelo PCP, esteve o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU). É o caso de Ana, uma mulher jovem que pediu licença para falar e apontou para um ex-presidente da freguesia que a ajudou "a mandar cartas, desde 2016, para o IHRU" e para as quais nunca teve resposta.
Neste caso, as missivas seriam de pedidos de habitação social e Ana descreve que, neste momento, tem dois dos filhos entregues à mãe e outro que vive com ela numa altura em que mora no "sofá da casa da sogra". "Não tenho condições na casa onde estou, tenho água... Tenho dez baldes espalhados e nunca ninguém quis saber de nada. Eu nem consigo falar. Não estou a falar só por mim, estou a falar por várias pessoas daqui", apontou a jovem notando que sabe que no bairro existem muitas casas que estão fechadas.
TSF\audio\2023\02\noticias\15\felipe_santa_barbara_vale_da_amoreira_ihru
E de casas fechadas conhece bem Fernanda a realidade. Os pais, falecidos há mais de três anos, viviam numa casa do Estado que, diz, estava a precisar de muitas obras. "Eram os tacos a levantarem, os armários fui eu que substituí pelos meus porque estavam a cair, a casa era toda preta por dentro e os meus pais com a idade que tinham, com doenças respiratórias, a respirarem aquela humidade, não fizeram nada e a casa estava mesmo um caos", descreveu.
O que arrancou algum espanto dos presentes foi a tirada do IHRU através de um funcionário que mandou ao bairro, ainda com os pais de Fernanda vivos. "Ignorou a situação e disse para meter os meus pais no lar porque, com a idade que tinham, pouco tempo iam durar", recordou esta cidadã do concelho da Moita constatando que há mais de três anos que entregou a casa ao IHRU e que, atualmente, "com tanta gente a precisar, fecharam a casa que está vedada com tijolos".
Pelo microfone, passou também Bruno, um jovem que acumula a experiência de morador num prédio do Estado com o facto de conhecer a realidade do terreno.
Com um riso pelo meio, Bruno disse fazer "parte da geração que não consegue sair da casa dos pais". De imediato, corrige: "Aliás, não consigo sair de casa dos avós porque deixei o papel de sair de casa dos pais para a minha mãe, já vamos numa terceira geração".
Mas sobre a realidade do bairro, este jovem informou a audiência de que foi recenseador nos últimos Censos, "em exclusivo no património do IHRU e da Câmara Municipal". E o que viu? "Nas habitações onde fui fazer os Censos, identifiquei 100 habitações secundárias, muitas situações de sobrelotação, muitas situações de habitações sem estores onde as janelas estão partidas, nunca levaram obras..."
No caso concreto do edifício onde mora e cuja casa foi atribuída aos avós quando vieram de África para Portugal, Bruno sintetizou: "tenho 32 anos e nunca vi luz no prédio". Ou seja, uma manutenção que tarda em acontecer e cuja responsabilidade é do IHRU, uma instituição da qual muita gente desta freguesia se queixa e sobre a qual Paulo Raimundo, secretário-geral comunista, fez questão de deixar uma nota: "se o IHRU não vem ao bairro, há de haver um dia em que o bairro vai ao IHRU".