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Morreu tal como viveu: de pé, sempre ao lado do povo da Ribeira Seca, na Madeira, a quem quis servir; apenas insatisfeito por nunca ter havido um julgamento canónico sobre o seu suposto crime de padre envolvido na política, condenado e suspenso por um bispo que, ele, sim, promoveu, apoiou e foi o sustentáculo religioso de Alberto João Jardim na liderança política da Madeira.
O padre José Martins Júnior morreu no passado dia 12. Nascido em Machico no seio de uma família modesta, em 16 de novembro de 1639, foi para o seminário do Funchal com 12 anos e seria ordenado padre em 15 de agosto de 1962.
Começou a sua atividade como prefeito e professor no seminário menor do Funchal e, em fevereiro de 1967, foi para Moçambique como capelão militar durante a Guerra Colonial, missão que contribuiu para formar a sua oposição à guerra e ao regime ditatorial de Salazar.
Em 22 de junho de 1969, faz agora 56 anos, assumiu o cargo da recém-criada paróquia da Ribeira Seca, no concelho de Machico. Aí se destacou como dinamizador da comunidade, no campo católico e cultural, através da música, do folclore ou do teatro. Ao mesmo tempo, contestou o regime de colónia, que permitia aos grandes proprietários rurais manter os trabalhadores em regime de quase escravatura, e apoiou a criação de uma União das Bordadeiras, cujo trabalho era também muito explorado.
Ajudar a resolver os problemas das populações e lutar pelos direitos dos mais fracos foi, afinal, o seu crime. Mas seria já com a democracia e depois de 25 de Abril de 1974 que o padre Martins veria a sua atividade censurada pelo bispo da época, Francisco Santana. Em novembro de 1974, o bispo tentou expulsar o padre da sua paróquia, recorrendo para isso à ajuda policial. Mas a população resistiu durante duas semanas, com protestos e vigílias e não permitiu que o seu pároco dali saísse. O bispo acabaria a suspendê-lo da possibilidade de celebrar missas e administrar sacramentos, uma decisão confirmada pelo bispo Teodoro de Faria em 1985. Mas o padre Martins Júnior nunca deixou de o fazer, continuando a exercer o seu múnus com o apoio dos paroquianos. Em fevereiro de 1985, num outro episódio de confronto, 40 polícias ocuparam a igreja da Ribeira Seca durante 18 dias, por ordem do bispo Teodoro Faria e Alberto João Jardim, mas o padre e a população celebraram missa ao ar livre.
O tempo viria a dar-lhe razão: em junho de 2019, o atual bispo do Funchal, Nuno Brás, revogou a pena de suspensão, nomeou o padre Martins como administrador paroquial da Ribeira Seca e reconheceu como válidos os sacramentos que ele celebrara ao longo de 44 anos. Martins Júnior manteve-se no cargo até fevereiro de 2023. Em troca, o bispo quis apenas a reafirmação de que o padre Martins não se envolveria de novo em atividades político-partidárias. De facto, paralelamente ao seu trabalho de padre, Martins Júnior foi presidente da Câmara do Machico pela UDP (União Democrática e Popular) e depois pelo PS, além de ter sido deputado regional, até 2007, por sete mandatos: quatro pela UDP, três pelo PS. O Presidente da República Mário Soares atribuiu-lhe em 1995 o grau de Comendador da Ordem de Mérito.
Morreu depois de ter abraçado a causa de fazer um doutoramento sobre a Igreja e os bispos na Madeira no pós-25 de Abril. Seria a sua forma de ajustar contas com a história que fica por cumprir, numa vida que se cumpriu completa. E de pé.
