Luís Martins Ferreira, o padre-operário que rodou a sua vida entre o torno e o altar
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Os seus olhos de criança viajavam pelas paisagens belas da Beira Alta, da Serra da Estrela à Lousã, passando pelas elevações da serra do Açor, lugares martirizados neste verão pela carga incendiária que atingiu o centro do país. É, contudo, uma beleza pastoril que se estende ao Caramulo, memória das tormentas da tuberculose, sofridas pela população portuguesa, no século XX, de tugúrios vestida...
Luís Manuel Martins Ferreira nasceu, a 25 de outubro de 1943, na casa da Portelinha, em São Martinho da Cortiça, no concelho de Arganil. O nascimento só foi registado a 9 de novembro. Nessa altura, já os soviéticos estavam em contra-ofensiva, na Frente Oriental, nos palcos devastadores da Segunda Guerra Mundial...
Aos 5 anos, em 1948, o pequeno Luís foi testemunha de um facto histórico: em São Martinho da Cortiça era feita a inauguração de uma serração de madeira, na casa de seus pais. A eletricidade também tinha acabado de ali chegar...
Aos sete anos, mesmo no meio do século XX, o Luís começa a frequentar a escola, instalada, ali, a uns breves 50 metros de casa. Um bom aluno, mas o pai não queria que se perdesse no seminário.
Entretanto, cola-se ao Luís, um nome iluminado na história dos padres operários, em Portugal, o Manuel Crespo.
Disléxico, disse o médico especialista ao adolescente que, por isso, perdeu o terceiro ano e uma certa dose de auto-estima.

Feito o Seminário Menor, na Figueira da Foz, aos 15 anos, Luís Ferreira entra, em 1959, para o Seminário Maior de Coimbra. De formação clássica e disciplina rigorosa. A batina negra no corpo. Em Roma, dilui-se o latim e adivinha-se a viragem secular da Igreja Católica, após a realização do Concílio Ecuménico Vaticano II.
Jovem aspirante de Teologia, em Coimbra, o que o mais fascinava era a Congregação dos Filhos da Caridade. Ali tinha sido inventado um novo estilo de padre: do módulo ver, julgar e agir da Ação Católica. Daqui nasceriam os padres operários.
Mas não foi fácil a escolha. Para maior proteção, Luís teve como seu mentor, o dr. Manuel Paulo, reitor do Seminário de Coimbra. Este homem via o futuro duas vezes antes de ele acontecer.
É na sua aldeia natal que, em setembro de 1968, é ordenado padre, mas é, na França, em Paris, que adere ao projecto que haveria de incendiar fábricas e ambientes laborais, com as teses de um cristianismo, imerso na alma operária.
Luís é, assim, um padre operário, em construção: de fresador, torneio mecânico e delegado sindical a dirigente político e formador profissional. Movimenta-se entre a Cova da Piedade, Paço de Arcos, Cascais, Lavradio e Setúbal.
Presta, depois da reforma, atividade pastoral no Hospital Ortopédico de Outão e nas paróquias de Faralhão e Praias do Sado, Palmela e Barreiro.
Quatro nomes solidificam a equipa para a sua história pessoal: Albino Lopes, Manuel Crespo, César Marques e o próprio Luís Martins.
E foram, entre nós, mais de trinta os homens, padres operários, que jogaram o futuro das suas vidas no vasto tabuleiro da incerteza.
Os lugares deste padre operário português foram a Sorefame, a Aquimetal, a Standard Elétrica e a Tecnitools.
Alguns nomes da onda política de então: Ferro Rodrigues, Augusto Mateus, Vieira da Silva, Agostinho Roseta, Alberto Martins, Jorge Sampaio e Vítor Wengorovius, entre outros.
É preciso que não se apague da história da Igreja Católica que os padres operários foram, na Europa, um dos maiores movimentos do operariado, no século XX.
Nos anos 70 havia mais de 1400 padres operários. Em outubro de 2025, os padres operários estão em extinção, também em Portugal.
Este domingo, o convidado de "Rostos e Rumos" é Luís Martins Ferreira, de 81 anos, o padre operário, autor do Livro "O Torno e o Altar", das Paulinas Editora.
