"Justiça está de luto." Laborinho Lúcio recordado como "homem de grande cultura" que deixa "marca profunda em todas as gerações"
Laborinho Lúcio morreu, esta quinta-feira, aos 83 anos
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A "Justiça está de luto" após a morte do antigo ministro Laborinho Lúcio, esta quinta-feira, aos 83 anos. À TSF, Rita Alarcão Júdice, atual detentora da pasta, lamenta a perda de "um dos maiores" da área, Hugo Soares, secretário-geral do PSD, fala numa "semana trágica" no partido e Eduardo Catroga, antigo ministro do Governo de Cavaco Silva, recorda um "homem de grande cultura".
Em declarações à TSF, a ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, diz que Laborinho Lúcio foi uma figura inspiradora, que deixou sempre marcas por onde passou e, por isso, "a Justiça está de luto". "Foi mesmo um dos maiores da Justiça. Teve um percurso todo por todas as casas da Justiça e em todas deixou a sua marca, teve um percurso exemplar", recorda a governante, destacando o "legado de integridade e compromisso com os mais vulneráveis na defesa da liberdade e da dignidade humana".
"Laborinho Lúcio é daquelas pessoas que não se limitou a passar por esta Terra, deixou mesmo a marca profunda na Justiça e em todas em várias gerações, nas quais eu me incluo. Acredito que este legado vai permanecer e espero que permaneça como inspiração para muitos", sublinha.
Também ouvido pela TSF, o secretário-geral do PSD, Hugo Soares, associa a morte de Laborinho Lúcio à do fundador do partido, Francisco Pinto Balsemão, para falar numa "semana trágica".
"Laborinho Lucio, embora independente, deu um grande contributo para a construção do Portugal democrático, designadamente na área da Justiça. Foi um dos pensadores do direito, mas tem sobretudo um legado na defesa dos direitos humanos e dos direitos cívicos. Hoje é um dia triste. O doutor Laborinho Lúcio, até praticamente ao final da sua vida, não deixou de procurar dar um contributo cívico e humanista ao país e à sociedade, algo que é digno de registo", afirma.
Eduardo Catroga partilhou a mesa de Conselho de Ministros com Laborinho Lúcio até 1995, no último Governo de Cavaco Silva. À TSF, recorda a independência e a intervenção cultural do antigo governante.
"Eu tive a honra de fazer parte do 12.º Governo Constitucional, que foi o último Governo de Cavaco Silva como primeiro-ministro. Quando eu cheguei ao Governo em 1993, Laborinho Lúcio já era ministro da Justiça, era um colega já veterano naquelas lides ministeriais e eu não o conhecia. Passei a conhecê-lo e passei a ter uma ótima relação com ele. Vi nele sempre um homem independente, como eu, dos aparelhos partidários, um homem que sabia pensar o país, um homem de grande cultura, não só a cultura jurídica, mas também a cultura humanística, em geral", refere.
Já João Massano, bastonário da Ordem dos Advogados, lembra o trabalho de Laborinho Lúcio na área da família e das crianças e defende que o antigo governante mudou a forma como os tribunais olham para as crianças.
"As crianças não eram relevantes, muitas vezes, andavam ali de um lado para o outro. Independentemente de todos os males da nossa justiça - que eu reconheço -, muita coisa está mal na área da família e crianças, mas não tem nada a ver com o que era há uns anos. A criança já tem outro tipo de atenção, apesar de ainda não ter aquilo que todos reclamamos e entendemos necessário, mas isso tem a ver com pessoas como ele [Laborinho Lúcio], que tiveram uma abordagem diferente e que foram formadores. Formaram os magistrados e incutiram nesses magistrados uma sensibilidade diferente", diz.
Também em declarações à TSF, Manuel Sequeira, presidente da câmara da Nazaré, onde nasceu e vivia Laborinho Lúcio, lamenta o desaparecimento de uma figura muito ativa na vida nazarena. "É uma perda muito grande, é uma profunda tristeza", começa por dizer o autarca.
Laborinho Lúcio "participava com frequência na vida da Nazaré e era sempre muito disponível". "Sempre que tinha possibilidade, participava em ações e palestras, sendo muito disponível para estar presente e isso, para nós, era o maior orgulho", acrescenta.
Laborinho Lúcio escreveu livros sobre Justiça, mas também de ficção. À TSF, Manuela Ribeiro, da Correntes d'Escritas, destaca que o antigo governante era presença frequente.
"As pessoas ficavam atentas àquilo que ele dizia, à sua opinião, àquilo que ele pensava, porque o Álvaro pensava o mundo de uma forma holística, de uma forma muito global. Vai perder-se essa voz, mas vão ficar as mensagens que ele deixou e as opiniões que ele nunca deixou de dar e de transmitir. Ele tinha sempre um cuidado ao transmitir a sua opinião, nunca queria ofender ninguém, nunca queria ferir ninguém, mas queria sempre dizer a verdade. O Álvaro é verdade", descreve.
Manuel Ribeiro recorda que nas Correntes d'Escritas todos paravam para ouvir Laborinho Lúcio: "Lembro-me da primeira vez que ele esteve a fazer a conferência de abertura e captou logo toda a gente. Lembro-me da grande quantidade de pessoas que se reuniam à volta do Álvaro para ouvi-lo contar as histórias e desse legado que ele deixou. Ele vai fazer falta às pessoas em todas as áreas."
Laborinho Lúcio foi secretário de Estado da Administração Judiciária e ministro da Justiça em 1990, durante o governo de Cavaco Silva, e ministro da República para os Açores, em 2003, durante a Presidência de Jorge Sampaio.
Foi também Procurador da República junto do Tribunal da Relação de Coimbra, inspetor do Ministério Público, Procurador-Geral-Adjunto da República, diretor da Escola da Polícia Judiciária e do Centro de Estudos Judiciários.
Mais recentemente, compôs a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa.
Álvaro Laborinho Lúcio nasceu na Nazaré a 1 de dezembro de 1941. Na juventude, foi ator amador, tendo participado na criação do Grupo de Teatro da Nazaré.
Ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, onde se licenciou em Direito e obteve o Curso Complementar de Ciências Jurídicas.
Laborinho Lúcio foi membro, entre outras, de associações como a APAV - Associação Portuguesa de Apoio à Vítima e a CRESCER-SER, de que é sócio fundador.
Entre 2013 e 2017, foi Presidente do Conselho Geral da Universidade do Minho e membro Eleito da Academia Internacional da Cultura Portuguesa.
Laborinho Lúcio estreou-se na escrita de ficção narrativa em 2014, com "O Chamador", na Quetzal, editora pela qual lançou mais quatro títulos até ao ano passado: "O Homem que Escrevia Azulejos", "O Beco da Liberdade", "As Sombras de uma Azinheira" e o livro de crónicas e outros textos "A Vida na Selva".
Já este ano, em março, editou, pela Zigurate, com Odete Severino Soares e ilustrações de Catarina Sobral, o livro "Marília ou a Justiça das Crianças".
Foi condecorado em 2005 pelo Presidente da República, Jorge Sampaio, com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo.

