Lei das incompatibilidades. Proposta do Chega é de "muita duvidosa constitucionalidade"
É preciso rever a lei das inconstitucionalidades, como pediu o Presidente da República? O tema esteve em debate no Fórum da TSF desta sexta-feira.
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O projeto de lei do Chega que será discutido na próxima semana, na Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, retende proibir contratos públicos com empresas de titulares de cargos políticos (independentemente da percentagem que os governantes detenham nas sociedades - a atual lei permite até 10% das ações) - e estende a proibição aos cônjuges dos governantes, mesmo se já estiverem separados.
Também PAN tem uma proposta para alterar a lei das incompatibilidades, face ao que foi relevado na discussão de alegadas incompatibilidades e conflitos de interesse que envolvem vários membros do Governo.
"Só agora, a reboque destes casos, é que ouvimos falar de pareceres que foram solicitados, por exemplo, à Procuradoria-Geral da República", afirma a líder do PAN, Inês Sousa Real, em declarações no Fórum TSF.
"Esperamos é que cada entidade pública tenha que dispor de uma secção online onde deixo claro os pedidos que foram feitos e as incompatibilidades que tenham sido declaradas, esperando assim contribuir para uma maior transparência."
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Na opinião do PAN, a proposta do Chega de incluir ex-cônjuges na lei das incompatibilidades levanta dúvidas. "Parece-nos de muita duvidosa constitucionalidade", critica Inês Sousa Real.
"Estamos a falar de regimes jurídicos diferentes e, a páginas tantas, não podemos querer isolar quem está na vida política e na vida pública numa bolha em que tenha que cortar todos os laços familiares ou mais, quando mais se existe uma situação de separação que seja legítima, que não visa ocultação de qualquer tipo de bens, porque para isso existem regimes próprios, nomeadamente o da fraude e da corrupção."
Nuno Cunha Rolo, presidente da associação Transparência e Integridade, admite que primeiro é preciso clarificar se é o texto da lei que tem de ser revisto ou se o que está em causa é uma interpretação da lei.
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"A questão aqui é saber qual é a lei. Porque é a letra da lei ou é a interpretação que o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, faz sobre a lei? Isso algo que precisa de ser clarificado, porque a letra da lei é clara. Não há-de ser por falta de clareza, pelo menos da letra da lei, que ela precisa de ser revista", defende.
Já o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia, presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), não tem dúvidas: "A lei precisa ser revista e já".
"Discordo, com o devido respeito, dos partidos que não querem rever a lei, porque os partidos nunca querem rever nenhuma lei que lhes afete os seus interesses."
E dá um exemplo concreto: "No caso da lei de emergência sanitária toda a gente dizia que não podia ser feita a quente... A verdade é que não foi feita nem a quente nem a frio porque a lei continua por fazer".
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Sobre o caso concreto de Pedro Nuno Santos, que tem uma participação de 0,5% na empresa do pai, "não necessita muitas dúvidas", defende o constitucionalista.
"A situação do Ministro é uma situação incompatibilidade. Lendo a lei não há qualquer dúvida. A única dúvida que suscitou foi não ser o setor de atividade do ministro (...) mas a lei não restringe apenas ao setor de influência do ministro e nós sabemos que o ministro que está nos transportes ou justiça tem sempre efeito sobre outros setores, porque reúnem-se em Conselho de Ministros, as decisões são coletivas, os presidentes das administrações dos institutos públicos são designados em Conselho de Ministros sob proposta do ministro do setor, portanto, aquilo é tudo "cozinhado" pelo coletivo ministerial e pelo coletivo do Governo."
Jorge Bacelar Gouveia vai mais longe, e defende incluir na lei novos parâmetros.
"Deve ser também equacionada a inclusão de incompatibilidades em matéria de associações e fundações que receba dinheiros públicos ou entidades que são geridas ou têm cargos de administração dos próprios políticos. Porque o que está a acontecer é muitas vezes haver negócios indiretos de dinheiros públicos que são dados a organismos, não são lucrativos, mas que, na prática têm funções lucrativas (...) E, portanto, se houver políticos que estão nesses cargos e se essas entidades recebem dinheiros públicos (...) também deve haver uma incompatibilidade no exercício dessas funções de gestão de entidades, mesmo aquelas que não são lucrativas, porque essas estão excluídas da lei das incompatibilidades", defende.
Em sentido contrário, para o bastonário da Ordem dos Advogados Luís Menezes Leitão, a lei das incompatibilidades "é das leis mais claras e mais bem elaboradas que temos no nosso ordenamento jurídico."
"Por vezes, infelizmente, o Parlamento e o Governo aprovam diplomas confusos que ninguém consegue entender. Não é o caso desta lei. Esta lei é perfeitamente clara quanto à situação das incompatibilidades e, precisamente por esse motivo, os termos em que estabelece a questão das incompatibilidades dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos são de facto bastante claros."
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Menezes Leitão deixa mesmo críticas ao Presidente da República. "Parece uma situação preocupante em termos de credibilidade das nossas Instituições, porque nós podemos, perante situações previstas na lei, como impedimento ou como incompatibilidade, vir depois dizer que a lei é confusa e tem de ser modificada. Não nos parece minimamente saudável num Estado de direito democrático."