Crónicas de justiça de Rui Cardoso Martins. Relatos de vidas que se cruzam com o poder da lei, o braço da justiça e as circunstâncias de cada um. E quando se levanta o réu, é o juiz que decide
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Se quiserem uma explicação para tão explosivo título - a pior sogra do mundo! - começamos por ouvir a filha:
- O crime que o meu marido cometeu foi ter casado comigo.
Mas isso seria mais tarde no julgamento. Antes, no banco dos réus, estava uma senhora idosa com uns óculos escuros maiores do que a cara. A juíza perguntou-lhe:
- A senhora mandou estas mensagens?
- Não. Não sei quem foi. O meu telemóvel anda sempre de um lado para o outro, nas mãos da minha filha e do meu genro.
Logo a conversa da senhora começou a oscilar entre o bem que anunciava e o mal que fazia. Começou assim a velha senhora:
- Nós vivíamos num convívio constante, uma alegria imensa. Eu não ia atacar um genro que me deu a coisa mais linda da vida. A minha neta é o maior tesouro do mundo! Eu sofro atrozmente por não a ver. Desde 5 de Novembro de 2020 que não a vejo.
Sobre as mais de 800 mensagens com ameaças e injúrias ao genro, enviadas do seu telefone, disse que não podia ter sido ela, porque de tecnologia não percebe nada:
- Uma coisa é fazer um powerpoint, outra coisa mandar uma sms!, cortou a juíza.
- Então quem é que ia mandar as sms?, perguntou o procurador da República.
A mulher sentou-se no banco dos réus, mas voltou a levantar-se.
- Meretíssima, peço desculpa, mas gostava de dizer que há uma coisa de que sempre gostei: do meu genro. Isso toda a gente sabe!
Chamaram o genro, um homem pequeno, pálido, de ar honesto e cansado num fato azul. Professor universitário, o genro. Carregava um pacote gigante de fotocópias, que lhe pesava nas mãos como uma pedra. Disse o genro:
- Todo este processo tem um enquadramento: estes insultos e acusações surgiam sempre que a minha esposa discutia com a mãe.
A pouco e pouco, a sala do tribunal ouvia esta estranha transferência de ódio da sogra para o genro. A sogra manda constantes cartas de denúncia à universidade em que é professor e às instituições públicas com as quais colabora. Diz nelas que ele sequestra a sua filha e a sua neta, que é um homem que não conhecem, um ser terrível.
- Eu não tenho liberdade, disse o genro. Mesmo quando vou à minha terra, sou olhado de lado. Sou o bode expiatório. Sou considerado o culpado por a minha esposa não se dar com a mãe. Houve alturas em que a minha esposa dizia que tinha discutido com a mãe e que me preparasse porque eu ia receber mensagens a dizer que a culpa era minha. Manda dizer que está na minha rua e que para a próxima aparece com homens. Não sei o que isso quer dizer, mas tenho receio. Não tenho questões profissionais nem familiares. Tenho uma boa situação com a minha esposa e a nossa filha.
No processo há mais de 800 sms, e áudios e imagens horríveis.
- Por exemplo, arcanjos com a espada na mão a dizerem que me vão fulminar..., disse o genro.
Também filmes de inteligência artificial com demónios verdes, de dentes afiados e cornos: "Veja-se ao espelho!". "Quem com facas mata, com facas morre!"
- Nunca lhe respondo.
- Cortou quando com a sua sogra?, perguntou a juíza.
- Garantidamente, quando recebi a mensagem de que só descansaria quando me visse morto. Vivo em stress. É um inferno.
A mulher do homem, a filha da sogra do genro, entrou em directo por vídeo e disse, suspirando:
- O crime que o meu marido cometeu foi ter casado comigo. Isto já tinha acontecido com as minhas amigas, quando eu era nova. A responsabilidade de tudo o que faço nunca é minha, nunca sou eu. É como se eu não tivesse opinião, ou voz. Quando as minhas opiniões vão contra ela, ela vai contra o meu marido. Aquilo é um ódio, uma coisa assustadora. Eu digo ao meu marido: eu sinto que não é por minha culpa, mas é por minha causa.
Ela cortou com a mãe no dia em que a sua menina, que tinha pouco mais de dois anos, "disse que ia ficar sem avó porque eu a estava a matar."
- Toda a vida mexeu em facas. Quando eu era pequena zangava-se comigo, encostava-me a faca ao pescoço e dizia-me: "é hoje que eu te mato."
Caramba, genro, filha, neta, só vos desejo paz, este, sim, o maior tesouro do mundo.
O autor escreve de acordo com a anterior ortografia
