Lisboa homenageia refugiados judeus, enquanto se "levanta uma onda de antissemitismo"
A historiadora Irene Flunser Pimentel conta, em declarações à TSF, que Lisboa representava, para muitos refugiados, "a Europa que eles tinham deixado, se calhar, para todo o sempre".
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Os refugiados judeus da Segunda Guerra Mundial vão ter, pela primeira vez em Lisboa, a partir desta terça-feira, um monumento em sua memória, numa altura em que se está "a levantar uma onda de antissemitismo".
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Trata-se de um mural da autoria do artista plástico português Vhils, instalado no porto de Lisboa, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, inspirado numa fotografia de uma refugiada judaica, que esperava a chegada de um navio para, provavelmente, deixar a Europa.
A mulher, sentada de perfil, com um chapéu, estava junto a um marco de correio 1951, um elemento importante, que permitiu identificar o local exato onde a fotografia, de Roger Khan, um refugiado judeu, foi tirada.
A foto, que se tornou num dos símbolos da fuga de milhares de refugiados judeus, que encontraram na capital lusa um novo ponto de partida, ilustra o Volume III do livro Cadernos do Arquivo "O Cais da Europa: Roger Kahan - Refugiado, Fotógrafo, 1940", da autoria de Ferreira Fernandes. A obra, que procura contar a vida do fotógrafo, contém cartazes, recortes de jornais, bilhetes carimbados e fotografias da época.
A historiadora Irene Flunser Pimentel destaca, em declarações à TSF, que esta é a "primeira homenagem e a primeira recordação, que remete para a memória desse tempo da Segunda Guerra Mundial".
"Apesar da ditadura, muitos refugiados conseguiram passar por Portugal e salvaram-se através de Portugal, porque depois foram para os EUA, África ou América Latina. Salazar não permitiu que eles ficassem, mas permitiu que eles passassem em trânsito", explica.
Irene Flunser Pimentel salienta a "tristeza deste monumento e, ao mesmo tempo, aquele lado de memória, a História que já está esquecida", destacando, por outro lado, a importância de a "guardar".
A também investigadora utiliza, igualmente, a conjuntura atual para justificar a atualidade e a relevância deste memorial.
"Isto é muito importante. Nós sabemos que continuam a haver refugiados, vai continuar a haver refugiados e, pior ainda, está-se a levantar uma onda de antissemitismo, que estes mesmos refugiados, durante os anos [19]40, tinham sentido nos países onde viviam e tiveram de fugir deles, fugir do antissemitismo e do Holocausto e, felizmente, passaram aqui por Lisboa e muitos deles salvaram-se, outros nem tanto", conta.
Numa época em que estes tempos parecem estar cada vez menos distantes, Irene Flunser Pimentel considera ser "muito interessante ver que muitos escritores e académicos, que passaram aqui, descrevem este cais, a partida no navio, a verem Lisboa a ficar ao longe", acrescentando que para "muitos deles", isto "significava a Europa que eles tinham deixado, se calhar, para todo o sempre".
"Depois alguns voltaram, mas eles na altura não saberiam", remata.
Apesar da passagem de personalidades - que ficariam para a História -, pela capital portuguesa, como é o caso de Hanna Arendt, a historiadora esclarece que a maioria dos refugiados judeus eram "pessoas anónimas".
"Evidentemente que os grandes intelectuais, que estavam em perigo, ou alemães, ou dos países ocupados pela Alemanha, mas o grosso evidentemente que eram anónimos", conclui.