Mais de um terço das famílias ganha 833 euros por mês e não tem como pagar despesas inesperadas
No Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, a Pordata aponta que, no primeiro semestre de 2022, 30% das famílias não conseguiam fazer face a despesas inesperadas e 6,1% referiu ter atrasos em alguns dos pagamentos relativos a rendas, prestações ou créditos.
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Mais de um terço das famílias portuguesas ganha 833 euros brutos e não consegue pagar despesas inesperadas, segundo a Pordata.
No dia em que se assinala o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, a Pordata, a base de dados estatísticos da Fundação Francisco Manuel dos Santos, compila alguns dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) para fazer um retrato do nível de pobreza da população portuguesa.
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Através deste retrato é possível ficar a saber, por exemplo, que em 2021, e tendo por base as declarações de IRS entregues todos os anos pelos agregados fiscais, "mais de um terço dos agregados (36%) viviam, no máximo, com 833 euros mensais".
"Se acrescentarmos o escalão de rendimento imediatamente a seguir, conclui-se que mais de metade das declarações (53%) correspondiam a rendimentos até aos 1.125Euro brutos mensais", refere a Pordata, sublinhando que 688 mil agregados fiscais estavam no escalão mínimo de IRS (equivalente a 417 euros mensais).
No entanto, e tendo em conta os rendimentos declarados, "20% dos agregados fiscais mais ricos ganharam 3,5 vezes mais que os 20% dos agregados mais pobres" e "em concelhos como Lisboa, Porto, Oeiras e Cascais, a diferença é de cinco vezes mais".
Portugal está entre os pobres mais pobres da Europa. Luísa Loura, diretora da Pordata, afirma que a distribuição de rendimento em Portugal é má.
"Imagine uma pizza partida em 10 fatias para distribuir por 10 pessoas. Quatro dessas fatias vão para as duas pessoas mais ricas e as duas pessoas mais pobres têm que partilhar entre elas pouco mais de metade de uma fatia. A distribuição do rendimento em Portugal é muito pouco equilibrada, muito menos equilibrada do que noutros países da Europa. Além disso, o limiar de pobreza nos outros países permite comprar muito mais do que em Portugal. Se uma pessoa que vive no limiar da pobreza com 551 euros conseguir comprar quatro carrinhos de compras num mês, em Espanha consegue comprar seis e no Luxemburgo consegue comprar 13. Portugal está num grupo de sete países em que os pobres são mesmo pobres", explica à TSF Luísa Loura.
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A população ativa jovem e a mais velha, com mais de 65 anos, representam o universo mais vulnerável à pobreza. Luísa Loura sublinha que os dados da Pordata são relativos aos rendimentos de 2021, mas a inflação é uma realidade e a pobreza cada vez maior neste universo.
"Estas franjas de população que vivem com menos de 551 euros por mês, que é o nosso limiar pobreza, sofrem muito mais o impacto da inflação, porque o rendimento que têm é praticamente só para o indispensável do dia a dia. Quem ganhe mais, pode abdicar de algumas coisas, as pessoas mais pobres não têm a possibilidade de abdicar de nada, portanto, o impacto da inflação é mesmo muito grande para eles", frisa.
O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, tem como valor referência a inflação de janeiro de 2022. Luísa Loura diz que os preços subiram de uma forma generalizada e a perda de poder de compra é uma realidade em sentido ascendente.
"Qualquer pessoa que não tenha sido aumentada entre janeiro de 2022 e o momento atual, pelo menos 12%, perdeu poder de compra, porque a inflação, desde janeiro de 2022 até setembro de 2023, subiu 12,2% e, portanto, só quem tenha tido um aumento salarial superior a isso é que não perdeu poder compra, todas as outras pessoas perderam poder de compra. É preciso ver que os produtos alimentares subiram 22%, portanto, as pessoas mais pobres, os seus gastos são primordialmente em produtos alimentares e, portanto, ainda terão perdido mais poder de compra, ainda estarão com mais dificuldades", reconhece.
O risco de pobreza estende-se à habitação. As famílias têm que escolher onde gastar o dinheiro: se gastam em bens essenciais ou nas despesas da casa.
"O preço das casas aumentou mais do dobro em oito anos. De 2015 até agora, o preço das casas, onde há um misto de casas novas, casas usadas, casas alugadas, e aumentou mais do dobro. Famílias com dois filhos, se não têm casa própria, se têm que arrendar uma casa neste momento, além do impacto da inflação ainda têm o impacto do aumento do preço das casas", acrescenta.
Como ponto positivo, a diretora da Pordata considera positiva a proposta do aumento do salário mínimo para 820 euros prevista na proposta de Orçamento de Estado para 2024. Luísa Loura defende que irá permitir recuperar algum poder de compra.
Com base em alguns resultados dos indicadores sobre privação material e social do Inquérito às Condições de Vida e Rendimentos (ICOR), referentes ao primeiro semestre de 2022, a Pordata aponta que nessa altura 30% das famílias não conseguiam fazer face a despesas inesperadas e 6,1% referiu ter atrasos em alguns dos pagamentos relativos a rendas, prestações ou créditos.
Foi possível constatar que aumentou a percentagem da população que diz ser incapaz de aquecer convenientemente a casa, sendo que Portugal foi o 4.º país da União Europeia com maior proporção de pessoas a dar conta dessa incapacidade.
Por outro lado, "também subiu ligeiramente a proporção da população sem capacidade financeira para assegurar uma refeição de carne, peixe ou equivalente vegetariano de 2 em 2 dias (de 2,4% para 3%) e de pessoas sem capacidade para pagar uma semana de férias por ano, fora de casa (de 36,7% para 37,2%)".
Os indicadores mais recentes do INE sobre pobreza são relativos aos rendimentos de 2021 e mostram que nessa altura 1,7 milhões de portugueses estavam em risco de pobreza, ou seja, viviam com menos de 551 euros por mês, e que 18,5% das crianças e jovens eram pobres, além de demonstrarem que aumentou o risco de pobreza nas famílias com dois adultos e duas crianças.
Relativamente à evolução da inflação e ao poder de compra dos portugueses, a Pordata refere que em 2022 se registou a taxa de inflação mais elevada dos últimos 30 anos e que a partir de fevereiro se assistiu ao aumento generalizado do preço dos bens e serviços, muito por culpa da guerra na Ucrânia.
"É preciso recuar 30 anos para encontrar uma taxa de inflação superior à de 2022 (7,8% vs. 9,6% em 1992). Desde que há registo, o pico da inflação ocorreu em 1984 (28,5%) e, desde meados de 1995, a inflação foi sempre inferior a 4,5%. Nos anos mais recentes, temos de recuar a 2017 para encontrarmos uma subida nos preços superior a 1,3%", refere.
Como consequência, diminuiu o poder de compra dos portugueses e os 760 euros do salário mínimo nacional equivalem a 678 euros, já que os produtos do cabaz de compra representativos das despesas das famílias encareceram, em média, 12,2%.
A Pordata refere também que em matéria de habitação, em 2022, o preço das casas aumentou 90% face a 2015 -- contra 48% da média da União Europeia, enquanto os salários subiram apenas 20%.
* Notícia atualizada às 07h22