Médicos reúnem-se com o ministério sem expectativas e contra exigências da tutela
A FNAM acusa o executivo de "dar com uma mão para tirar com a outra", o SIM aponta que o Governo "está a exercer o poder há oito anos" e tem de saber aplicar ao SNS o que cobra de impostos.
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A Federação Nacional dos Médicos (FNAM) e o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) avisaram na tarde deste domingo, à entrada para uma reunião com o Ministério da Saúde, que as exigências do Governo para chegar a um acordo com estes profissionais "não fazem qualquer sentido" e parecem pedir "ainda mais trabalho aos médicos".
No documento enviado pelo Governo aos sindicatos dos médicos antes do encontro marcado para as 16h00 e a que a Lusa teve hoje acesso o Ministério destaca que a redução do horário de trabalho dos médicos e do número de horas de atividade no serviço de urgência "não pode significar a diminuição de acesso a cuidados de saúde e da capacidade de resposta do SNS [Serviço Nacional de Saúde]".
O executivo cede à reivindicação das 35 horas de trabalho semanais, mas coloca condições para não pôr em causa o atendimento no SNS. Se for aceite, a medida abrangerá de imediato os médicos dos serviços de urgência, sendo depois gradualmente aplicada a todos os outros.
À entrada para a reunião de negociação, a líder da FNAM, Joana Bordalo e Sá, não deixou de notar aos jornalistas no local que a proposta da tutela foi recebida "à 00h36" deste domingo, o que diz ser um sinal de "falta de competência, de diligência, e provavelmente falta de vontade política em resolver esta situação de uma vez".
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Analisada a proposta, a representante dos médicos indicou que esta "não responde às necessidades dos médicos, mas acima de tudo não responde às necessidades do SNS".
"O que está a ser pedido, pelo que nos parece, é ainda mais trabalho aos médicos. Dão com uma mão para tirar com outra. As expectativas para esta nossa reunião não são nada animadoras, de qualquer forma, nós vamos estar aqui presentes e vai ser exatamente na mesa, frente a frente com o senhor ministro, que lhe vamos explicar mais uma vez, com toda a paciência, que não é possível exigir o impossível aos médicos, não é possível exigir ainda mais trabalho. Os médicos estão exaustos", alertou a responsável.
Pelo SIM, Jorge Roque da Cunha defendeu que as exigências colocadas pelo Governo para aceitar a redução dos horários base e de urgências dos médicos "não fazem qualquer sentido" e defendeu que cabe ao Governo assegurar a capacidade do SNS.
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"Quando o senhor ministro diz que uma proposta não pode pôr em causa a capacidade do SNS, está-se a esquecer que faz parte de um governo que está a exercer o poder há oito anos? Esta incapacidade do SNS resulta da incompetência que este Governo tem tido em aplicar os nossos impostos, nunca houve impostos tão pesados como agora, para que esta situação não ocorresse", assinalou o representante, que garante que apesar de haver "grande vontade de chegar a acordo", é preciso que "os médicos se revejam" no mesmo.
Pizarro quer apoio na reorganização de serviços
Por seu lado, o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, disse à entrada desta reunião que vai aceitar a redução faseada do número de horas que os médicos trabalham no SNS, mas em troca quer o apoio dos médicos para a reorganização dos serviços.
"Espero que nos consigamos aproximar muito, prevejo uma negociação longa, mas finalmente dissemos sim a duas grandes reivindicações dos médicos, mas não podemos deixar de assegurar que estas mudanças se traduzam em melhores condições para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e para os portugueses", disse antes do encontro com os sindicatos médicos.
"Estas mudanças até podem parecer paradoxais, porque o que os portugueses veem é dificuldade no acesso à saúde, e estamos a acordar reduzir o horário e o número de horas que prestam no SNS, por isso tem de haver um 'mas', e a compensação é o apoio dos sindicatos médicos para reorganizar os serviços, para não colocar em causa a assistência em saúde aos portugueses", disse o governante aos jornalistas.
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"Fizemos hoje mais uma enorme aproximação às reivindicações dos médicos, aceitando generalizar progressivamente e de forma faseada o horário das 35 horas e reduzir progressivamente, de forma faseada, o número de horas de urgência, mas todos os portugueses percebem que isso só pode ser feito desde que possamos assegurar uma métrica de resultados que garanta que essas mudanças não põem em causa a assistência médica aos portugueses", apontou.
O governante vincou ainda que "há coerência na ideia de que o horário dos médicos seja igual ao dos outros trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde (SNS), assim como faz sentido que façam urgências de 12 horas, mas de forma a garantir que o que não falha é o atendimento assistencial de que os portugueses necessitam".
As negociações entre o Ministério da Saúde e o SIM e a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) iniciaram-se em 2022, mas a falta de acordo tem agudizado a luta dos médicos, com greves e declarações de escusa ao trabalho extraordinário além das 150 horas anuais obrigatórias, o que tem provocado constrangimentos e fecho de serviços de urgência em hospitais de todo o país.
Esta situação levou o diretor executivo do SNS, Fernando Araújo, a avisar que se os médicos não chegarem a acordo com o Governo, novembro poderá ser o pior mês em 44 anos de SNS.