Uma resolução do Conselho de Ministros não pode sobrepor-se a uma lei que protege um direito fundamental, defende o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia.
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O constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia considera que as punições e multas aos ajuntamentos podem ser inconstitucionais. Em declarações à TSF, Jorge Bacelar Gouveia defende que só em estado de emergência seria possível restringir direitos, liberdade e garantias dos cidadãos.
"Os direitos fundamentais já não estão suspensos e aquilo que se tem aplicado é um estado de calamidade pública, no âmbito da Proteção Civil, mas esse regime não tem a mesma potência que tem o estado de emergência", nota.
O constitucionalista vê, por isso, "com a maior reserva" a aplicação de coimas ou multas a pessoas que violem a regra dos ajuntamentos até um limite máximo de 10 pessoas - até porque considera que a mesma "não é exequível".
"O que eu vejo na resolução do Conselho de Ministros é, por um lado, o aconselhamento a não haver mais de 10 pessoas nos espaços públicos, noutros casos vejo que isso se transformou em crime de desobediência. Mas a minha pergunta é esta: 10 pessoas em que área? E se 100 pessoas estiverem numa avenida, distanciadas entre si?", questiona. "A própria lei não se percebe como pode ser aplicável."
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O constitucionalista afirma que, par que esta nova regra não fosse inconstitucional, teria de ser a Assembleia da República, e não o Governo, a alterar as normas que limitam os ajuntamentos.
Para Jorge Bacelar Gouveia, uma "mera resolução do Conselho de Ministros" não pode "derrogar uma lei que protege um direito fundamental, que é o direito à liberdade de reunião e de manifestação".
"Podemos ter aqui um problema jurídico de dúvidas sobre a legalidade dessas medidas", constata o constitucionalista, sublinhando que é um princípio geral do Direito que uma lei da Assembleia da República não possa ser ultrapassada por um decreto do Governo.