Entre as casas dos pescadores - pobres, mas cobertas de poesia - e as típicas casas-barco, com janelas rasgadas para o mar. A TSF visitou Cedovém Pedrinhas, em Esposende, um dos pontos críticos do Programa da Orla Costeira Espinho-Caminha, cuja discussão terminou.
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"O mar é a minha casa
O barco é o meu berço
Embalado pelas ondas
Depressa adormeço"
Há 46 anos que Celestina adormece embalada pelas ondas. "O mar tem tantas ondas, tantas ondas, como é que a gente não vai adormecer?". Veio para aqui com 22 anos. A casa onde mora está construída em Cedovém, na Apúlia, concelho de Esposende.
Cá fora, por cima da porta, pode ler-se "Casinha do Pescador" e a enfeitar todas as paredes um sem número de poemas. Foram escritos pelo marido, mas ele não está. Foi dar uma volta de bicicleta para desentorpecer as pernas. A casa deles é uma das que vai abaixo, segundo diz o Programa da Orla Costeira Caminha-Espinho .
"Quando eu tiver que sair daqui, já outros têm terra para o fundo", acredita, convencida de que ainda vai demorar muito tempo. Mas a casa está tão em cima da praia! Celestina não tem medo que o mar a engula? "Quando o mar engolir aqui, a Apúlia está desfeita".
Mais ali à frente, estão as típicas casas-barco. São casas feitas em pedra em forma de barco maioritariamente de ocupação ocasional. Uma delas tem cá fora o dístico de AL - Alojamento Local. Mas há aqui uma que tem um habitante permanente, Luís Balester.
A luz está acesa. Batemos.
Entra-se e apetece ficar. O sofá em frente à lareira, a manta em cima do sofá, as bicicletas encostadas a um dos lados, no outro a árvore de natal e no meio de tudo isto um enorme quadro natural: janelas rasgadas a toda a largura fazem do mar uma tela em constante movimento.
"Sabemos que tudo tem um princípio, um meio e um fim, embora...". Fica em suspenso. Admite que nunca se está à espera do fim "com uma condição destas".
Luís assistiu às reuniões de esclarecimento promovidas pela câmara e pela junta de freguesia, mas também fixou na memória aquilo que foi ouvindo dos pescadores. "Toda esta erosão começou a ser provocada desde que fizeram o primeiro pontão lá em cima, ao pé das torres de Ofir", que não serão demolidas neste POC. "Desde então, o mar tem comido metros de praia. Isso é inquestionável", assinala.
Tão inquestionável que para este morador é claro que as casas estão em risco: "A partir do momento em que estamos aqui, não é só a casa que está em risco. A partir do momento em que eu estou aqui dentro, também estou exposto a isso".
Os proprietários e moradores começaram a construir barreiras, com sacos gordos de linhagem, brancos, cheios de areia. "Tenho aqui este vizinho que já pôs uns sacos de areia e agora está combinado com o meu vizinho desta casa ao lado e este do lado direito fazermos o mesmo aqui em frente da duna", explica.
São factos que levam Luís Balester a ter consciência de que o POC será mesmo para avançar. Ele sabe que na terra as pessoas dizem que isso não vai acontecer tão cedo. Ele garante que não está em negação. Quando tiver que ser, será, mas é com tristeza que vai despedir-se deste mar que lhe entra pelos olhos dentro todos os dias, cheio de sal e de sargaço.
"A vida de pescador é uma vida de sofrimento
Quando chega o fim do mês
Não há dinheiro
Para o vencimento"
Celestina ri-se. E diz que não, diz que não.
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