"Não é um prémio, é uma necessidade." Os perigos do novo coronavírus para os reclusos
Pastoral Penitenciária diz que libertação de reclusos idosos "não é um prémio, é uma necessidade", mas alerta para situações dramáticas de falta de apoio e alojamento que podem levar ao contágio.
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Com quase 50 anos de serviço nas cadeias portuguesas, João Gonçalves conhece como poucos os problemas de quem lá vive. O capelão do estabelecimento prisional de Aveiro, que é também coordenador nacional da Pastoral Penitenciária, lembra que a população prisional está cada vez mais envelhecida e que são precisos cuidados redobrados com os reclusos idosos em tempos de pandemia.
"Há pessoas de muita idade, uns que envelheceram na cadeia e outros que entraram com idade avançada, e tem de haver uma atenção muito grande em relação a estas pessoas", refere.
No entanto, não é só a idade dos presos que preocupa o sacerdote de Aveiro: "Se um tiver uma doença, é um rastilho sem dar conta de que o está a ser. O estar tão próximo num ambiente fechado é muito perigoso", sublinha João Gonçalves.
Tal como a ministra da Justiça, que esta quarta-feira se referiu à Covid-19 como um "rastilho", na Comissão Parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias, o padre lembra que o isolamento é uma ilusão nas cadeias sobrelotadas, que são por estes dias verdadeiros barris de pólvora.
"Todas as pessoas que possamos libertar é um ato humano"
Questionado pela TSF sobre as medidas propostas pelo Governo para o sistema prisional, no âmbito do novo coronavírus, o coordenador da Pastoral Penitenciária considera que a libertação dos reclusos mais frágeis é a melhor opção.
"Num momento tão sério, de uma doença tão contagiosa, acho que todas as pessoas que possamos libertar é um ato humano, concordo e estimo muito esta medida", afirma. João Gonçalves destaca as "razões humanitárias" e considera que "a eventual saída destas pessoas da prisão não é um prémio, é uma necessidade".
Ainda assim, o capelão do estabelecimento prisional de Aveiro sublinha os riscos sociais desta medida a apela a um esforço coordenado das autoridades: "As pessoas têm de ser acompanhadas cá fora na sua inserção na família e na comunidade, a Direção-Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais, as juntas de freguesia e as autarquias têm de acompanhar as pessoas. No caso dos idosos é preciso não esquecer problemas de saúde, carências de alimentação e até de alojamento".
João Gonçalves dá como exemplo os reclusos mais velhos que envelheceram na cadeia e que não têm qualquer tipo de apoio familiar e social. "Essas pessoas vão ter muito mais dificuldade. Numa situação destas, em que a pessoa sai da cadeia por uma questão de saúde, se fica exposta cá fora, é facilmente contagiada", alerta. A menor capacidade de reação, por doença ou dependência de medicamentos, e a fragilidade fruto da idade são outras preocupações do padre.
Já no início do mês, o Papa Francisco mostrou-se preocupado com a sobrelotação das cadeias a nível mundial e as consequências que a pandemia de Covid-19 poderia provocar nos estabelecimentos prisionais.
Em Portugal, há mais de um mês que os capelães não visitam os 50 estabelecimentos prisionais, por decisão da Conferência Episcopal, e a assistência espiritual aos reclusos está a ser feita por telefone.
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