A visita da TSF ao primeiro café feliz, parte da rede internacional Happy Café Network, serviu de mote para a conversa com Gabriel Leite Mota, especialista em Economia da Felicidade.
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Gabriel Leite Mota foi o primeiro português doutorado em Economia da Felicidade. É professor de Economia na Universidade da Madeira e defende que as empresas e os governos podem fazer muito mais para o bem-estar dos trabalhadores, ao mesmo tempo que aumentam a produtividade.
O especialista defende que economia só faz sentido se proporcionar felicidade às pessoas e explica que é preciso ajustar políticas públicas para que a riqueza criada seja capaz de gerar bem-estar.
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A definição de um café feliz está relacionada com um lugar inspirador, que promove a felicidade e o bem-estar. O café que visitamos fica na Figueira da Foz e assenta num ambiente de "boa onda", de comida para partilhar, de haver uma aproximação entre os clientes e os donos do café. Este conceito, que está agora a chegar a Portugal, é algo a que as pessoas estão mais atentas ou é uma moda?
É interessante a pergunta porque a ideia de felicidade é uma coisa muito antiga. Só recentemente é que chegou à academia, ou seja, só nos últimos 30 anos é que a felicidade tem estado a ser objeto de estudo científico. Em vez de ser uma coisa ligada à religião, ou ligada à filosofia, ou ligada aos movimentos mais new age, ou inclusivamente ligada aos gurus de auto-ajuda. Do ponto de vista académico, é um tópico que tem ganho força mas não lhe chamaria uma moda.
Do ponto de vista mediático, obviamente que isto é um tópico que suscita algum interesse e, portanto, há fenómenos de moda associados a isso. E um café para a felicidade, ou um café feliz, incorpora-se um bocadinho nessa ideia. Ou seja, é criar espaços reais onde certas práticas possam ser levadas a cabo.
O que é que contribui para a felicidade de uma forma mais objetiva?
Por exemplo, do ponto de vista da economia, nós fazemos a pergunta: o que é que verdadeiramente traz bem-estar e felicidade às pessoas e à sociedade? Vê-se que essas variáveis são importantes, nomeadamente o desemprego é muito mau para a felicidade individual e de uma nação que tenha uma taxa de desemprego elevada. Mas há outras variáveis que não são tão importantes. Por exemplo a inflação mais elevada não é assim tão preocupante quanto isso do ponto de vista do bem-estar das pessoas. O crescimento económico depende da situação, ou seja, nem sempre um crescimento económico é algo que traga um acréscimo de felicidade notório. Por outro lado, dimensões mais sociais são fundamentais. A ideia de nós termos sociedades em que as pessoas confiam umas nas outras. Termos sociedades em que as relações no trabalho, na família entre os amigos são de qualidade e com tempo. Sociedades onde as pessoas têm tempo para a sua criatividade, para o lazer, para os seus hobbies. Sociedades em que se confia nas instituições sociedades não muito desiguais, é um fator importante para o bem-estar. Todas essas variáveis são muito importantes.
No fundo, o que é a felicidade? É um conceito que pode variar de país para a país? Se calhar nos Estados Unidos é uma coisa e na Índia é outra.
Uma coisa é o que determina a felicidade do indivíduo numa sociedade. Outra coisa é o que é que é felicidade. Do ponto de vista académico, há possibilidade de nós termos não apenas uma definição única de felicidade mas aquilo que tem sido muito objeto de estudo tem a ver com o bem-estar subjetivo, que é a perceção que cada um de nós tem do seu bem-estar.
A verdade é que este tipo de informação tem demonstrado robusta, ou seja, cientificamente válida. É uma informação válida, comparável ente as pessoas. É quase como se fosse um indicador de que tudo está relativamente bem com o nosso corpo, com a nossa mente e a envolvente. Se nós estivermos a funcionar bem enquanto ser vivo nós vamo-nos sentir felizes. Depois, nem toda a gente é igual. Por exemplo, nos Estados Unidos, que é uma sociedade que educa as pessoas mais para a competitividade, elas vão precisar de se sentir bem do ponto de vista competitivo, no sentido que são os melhores no seu trabalho, estão a ganhar muito dinheiro, para se sentirem bem. Claro que um monge tibetano precisa de coisas completamente diferentes. Precisa de meditar, precisa de contemplar a natureza para se sentir feliz.
Do ponto de vista laboral, como convencer as empresas a investirem no bem-estar e na felicidade dos seus trabalhadores?
Há duas formas. Uma, em muitas situações é possível conciliar o bem-estar dos trabalhadores com o aumento da produtividade. Mas isso acontece em determinado tipo de empresas, em empresas mais tecnológicas, em que é preciso a criatividade dos trabalhadores. Mas há muitas situações em que não. Na vossa profissão de jornalista, vocês têm muita pressão por causa do desemprego, da decadência do setor. Portanto, há muita oferta de jornalistas, há pouca procura, as condições que vos oferecem são más e vocês trabalham muito, ganham pouco. Como é que se convence? Lá está, voltamos a um problema à escala global, um problema político complexo. Tem de passar por pôr leis que dificultem determinado tipo de práticas laborais e por consensos internacionais.
Chegam-nos muitas vezes notícias sobre as condições de trabalho em empresas como a Google, Facebook, de empresas que concedem vantagens e bem-estar aos seus trabalhadores. Mas este bem-estar criado no trabalho não acaba por ser demasiado? Ou seja, se um trabalhador se sente tão bem no trabalho, porque pode fazer uma sesta aqui, pode fazer exercício ali, será que esta empresa não está a fazer com que o trabalhador se sinta melhor no trabalho do que fora dele, a fazer as tais atividades de bem-estar? Como gerir isto?
Tem toda a razão e, de facto, voltamos ao mesmo problema. Uma empresa está, por definição, preocupada com os seus lucros, não está preocupada com mais nada. Portanto, depois confrontam-se com a concorrência, com as leis ambientais, com múltiplas dimensões. Descobriram que se fizerem determinado tipo de práticas dentro da empresa, podem conseguir extrair mais dos trabalhadores. Um dos resultados disso tem sido que, nessas empresas tecnológicas, os trabalhadores fartam-se de trabalhar. Porque apesar de poderem fazer a soneca, ou jogar pingue-pongue, depois vão voltar ao trabalho e estão lá quase presos numa armadilha. Objetivamente, não é o ideal. Quando se determina que a jornada de trabalho deve ser de oito horas, isso já está incorporado. Oito horas para dormir, oito horas para trabalhar e oito horas para lazer, para a família, para os amigos, para o desporto. E o lazer é fora da empresa.
Do ponto de vista de políticas públicas, pode enumerar-me algumas que poderiam contribuir para a felicidade dos cidadãos, se aplicadas em Portugal?
Uma coisa que é sempre importante referir aqui é que o rendimento, a disponibilidade financeira das pessoas, é sempre importante. Uma pessoa pobre, numa sociedade, é sempre das mais infelizes. Agora, o que podemos fazer? Políticas públicas de redistribuição de rendimento que façam alargar o máximo possível a classe média. Políticas que ajudem a combater situações de isolamento de pessoas na terceira idade. Políticas de fiscalização laboral que não permitam precariedades exageradas, que não permitam horas de trabalho a mais. Apoio às consultas de saúde mental. Podíamos até ter rastreios de saúde mental precoce. Isso seria um excelente contributo para o aumento do bem-estar das populações.
A psicologia fala da impossibilidade das pessoas estarem sempre felizes, é normal que as pessoas estejam tristes de vez em quando. Esta dicotomia tem que ser gerida durante a vida. Não é um pouco utópico querer essa felicidade?
Não, se tivermos a consciência disso que acabou de dizer. Ou seja, faz parte da tal homeostasia da vida humana nós termos flutuações mas, do ponto de vista social, que também é fundamental para o nosso bem-estar psicológico, podemos construir estruturas sociais adequadas ou menos adequadas ao nosso bem-estar. Portanto, isto não é utopia. Termos uma sociedade que, em média, as pessoas estão melhores, e outra sociedade que, em média, as pessoas estão piores, isso existe. Quando vamos olhar para os dados sabemos que na maior parte dos países africanos as pessoas estão muito pior do que na maior parte dos países europeus. Sabemos que os países nórdicos estão sistematicamente melhor do que outros países europeus. Portanto, os dados são robustos e mostram-nos que é possível viver em determinado tipo de modelos sociais onde as pessoas se sentem melhor do que outros. A busca da felicidade não é a busca do êxtase constante, que isso é, por definição, insustentável. Mas é a busca desta manutenção num estado de equilíbrio e harmonia entre o próprio e o que o rodeia, que é possível melhorar ou piorar. Portanto, isso não é utópico.