Novo papel para Paulo Raimundo: o café e o gabinete na fase do estranhar antes de entranhar
Era um dirigente praticamente desconhecido, mas é agora o sucessor de Jerónimo de Sousa na liderança do PCP. Já foi padeiro, operário e funcionário do partido. Agora, também é capa do "Avante!"
Corpo do artigo
Paulo Raimundo faz o que sempre fez. Levanta-se cedo, ajuda a filha mais pequena a despachar-se e, no máximo às 6h45, "está tudo operacional" lá em casa. Depois segue para a sede do PCP, em Lisboa.
Pede um café, pergunta quanto é - porque "nunca" o sabe - e começa o dia. O caminho para o gabinete ainda é "o mesmo de há longos anos", mas também ainda se "baralha" com as salas do edifício.
TSF\audio\2022\11\noticias\19\paulo_raimundo_online
A TSF esteve esta manhã com o novo secretário-geral do PCP para acompanhar os primeiros dias na liderança do partido. O "comité central lá de casa" - a filha mais nova vive com Paulo Raimundo, os outros dois filhos com a mãe - foi "de certa forma" unânime na aceitação das notícias. Pode até ter havido "demasiada confiança e extroversão", diz entre risos, típica das crianças pequenas.
Não revela se aceitou logo à primeira o desafio de liderar o PCP, mas uma coisa é certa: há noção da dimensão e de tudo o que implica ser secretário-geral de um partido com mais de cem anos.
"Não é uma decisão que se tome de ânimo leve, fui-me autoconvencendo dessa real possibilidade", explica, revelando que não era "propriamente uma coisa que ambicionasse".
Já é reconhecido na rua. Uma senhora aqui, um senhor ali, "coisas pontuais", mas que revelam que o anonimato "tenderá a diminuir".
E o que Paulo Raimundo andou para aqui chegar fê-lo passar por farinha, por massa e por mãos que amassam pão: trabalhou numa padaria e fez "três coisas".
Começou por "carregar sacos de farinha" enquanto rookie. "Quem amassava a massa era o padeiro, o verdadeiro mestre. Depois lá vinha a massa cortada, num tabuleiro, e nós tínhamos oportunidade de fazer os papos-secos, as carcaças, como quisermos. E depois pô-las e tirá-las do forno." E como é que se faz uma boa massa? "Não sei", assume.
O pão que fazia tinha até um destino que o tempo revelou irónico. "Todo o trabalho era exclusivo" para os empreendimentos turísticos de Tróia e, porque o turismo para lá não diminuiu, "talvez" o pão que fez tenha contribuído para esse sucesso. E a observação sobre o passado, com piada, acabaria por chegar: "Estive ao serviço do capital!"
O presente coloca-o agora na capa do "Avante!", publicação oficial do partido. Ver-se na capa não lhe traz "gosto particular, nenhum".
Os camaradas continuam a chamar-lhe o que sempre lhe chamaram, "o que é uma vantagem", mas ainda está na fase de "estranhar" ser chamado de secretário-geral.
"Depois entranha-se." E Paulo Raimundo tem, pelo que mostra a história do partido, muitos anos para entranhar.
*com Gonçalo Teles