Há mais peixe no mar português e mais peixes que, depois de secos - garantem -, são tão bons ou melhores do que o fiel amigo. Em Peniche, como noutras comunidades piscatórias, secam-se várias espécies que se podem encontrar no mercado ou nalguns restaurantes sob encomenda. Pela mão da ciência, esta tradição promete regressar, agora, muito moderna.
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É mais barato, evita muito desperdício e sobretudo "é bom, muito bom!" É a opinião de dois grupos de fregueses que esperam pela sua vez frente à banca de Márcia, uma das que vende peixe seco no Mercado de Peniche.
São mãe e pai e filho. Luís chega-se ao microfone. "Costumo comprar sempre aqui. Peixe fresco e seco. O peixe seco gosto cozido com batatas", e a mulher acrescenta "nem queira saber o bom que fica cozido com batatas!" O filho acena com a cabeça e olhos brilhantes, talvez a pensar no petisco.
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"Eu compro e também costumo secar." Está claro agora que os clientes também são gente de água salgada. António tem preferências: "Quelmes, carapaus e raia."
E depois de seca, a raia até parece mesmo bacalhau; se houvesse bacalhau redondo, bem entendido... Mas isso é na banca ao lado porque a de Márcia, hoje, exibe grandes rabos de safio: "Seco o peixe que sobra, em vez de deitar fora", e são muitos os fregueses que agradecem.
"Tiro a espinha, tiro as tripas, depois salgo, com um sal grosso que vem diretamente das salinas. Fica no sal dois ou três dias e depois seco ao sol." Dito assim parece fácil, mas a mãe de Márcia põe o dedo no ar como quem quer acrescentar um detalhe importante: "Eu aprendi com os meus avós. Desde os cinco anos que ia para a praça e tinha de trepar para um caixote para chegar à banca. Vendi muito peixe seco, até para o Mercado da Ribeira."
Em Lisboa é que já não haverá muita gente com memória desse tempo, do tempo em que não existiam frigoríficos, o tempo em que o sal era sinónimo de tempo.
Márcia garante que vem daí, de tantas vezes fazer de tantas maneiras, o segredo do bom peixe seco.
Não é só sal? "Não..." Também não chega o Sol e o vento? "Não, não chega..." Então o que é? "É preciso amor. É preciso a saudade dos meus avós."
Estes são ingredientes que ainda não se conseguem reproduzir no Mare, o Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, do Politécnico de Leiria. Wilson Fernandes, investigador, garante que tudo o resto está a ser reproduzido em laboratório.
"Tentamos perceber se podemos replicar o processo de seca das peixeiras, de forma controlada, em termos de segurança alimentar e sem perder o sabor original." Os primeiros testes mostram que está quase, "em termos físico-químicos não há diferença", dados intermédios do estudo que ainda decorre e que terá de ultrapassar o teste sensorial.
Wilson Fernandes mostra-nos alguns peixes já "cientificamente" secos e, por um momento, passa de investigador ao lugar de cobaia: "Já provei, sim, é bom, é muito bom!"
A iniciativa, como quase sempre em questões de gastronomia, nasceu à volta da mesa de verdadeiros apreciadores de peixe seco. Um deles é João Barba, um dos dirigentes da Associação Onda, Comunicação e Cultura.
Há décadas que têm havido tentativas pontuais de acabar com a semiclandestinidade do peixe seco português. "A diferença é que nós começamos pela ciência."
João Barba tem feito "o caminho das pedras", que é como quem diz encomendar a investigação, explicar tudo e tentar convencer a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária, a secretaria de Estado das Pescas ou a ASAE.
"Tem corrido muito bem. Acho que para o ano podemos já ter um novo produto regional certificado." A começar por Peniche, mas a seguir costa abaixo e costa acima, atrás do mar, do sol e do vento que são os outros ingredientes do peixe seco.