Portugal com mais crianças institucionalizadas entre 42 países da Europa e Ásia Central
A realidade portuguesa segue a tendência vigente na Europa Central, onde se regista "a maior taxa de crianças em unidades de acolhimento residencial, com 294 por 100.000 crianças - quase o triplo da média mundial".
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Portugal é o país, entre 42 da Europa e da Ásia Central, onde há mais crianças institucionalizadas, com 95% das crianças acolhidas ao abrigo do sistema de proteção a residir em acolhimento residencial, revela um relatório da Unicef.
Segundo o relatório "Caminhos para uma melhor proteção: Balanço da situação das crianças em estruturas de acolhimento na Europa e na Ásia Central", divulgado esta quinta-feira, quase meio milhão de crianças (456 mil) nestes territórios vivem em instituições.
A UNICEF Portugal defende que é preciso apostar ainda mais em encontrar famílias que estejam disponíveis para receber crianças em situação vulnerável. José Proença, especialista em proteção infantil da agência das Nações Unidas em Portugal, afirma que o desconhecimento que ainda há sobre este assunto não tem ajudado a mudar a realidade que ainda vivemos.
"É essencial que seja finalmente encarada esta situação como urgente e que sejam tomadas medidas efetivas para que estes números se invertam progressivamente, mas também de forma clara ao longo dos anos. Para tal é preciso investir na captação de famílias de acolhimento, mas numa lógica em que se cimente na sociedade civil uma cultura de acolhimento familiar que falta em Portugal. Na nossa opinião, tanto por um certo desconhecimento desta realidade, um certo desconhecimento do impacto negativo que tem nas crianças o acolhimento residencial sobretudo se for prolongado e em idades precoces, em contraponto com o impacto positivo que pode ter um acolhimento familiar", explicou à TSF José Proença.
De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), "a taxa [...] é o dobro da média mundial, atingindo 232 por 100 mil crianças, em comparação com a média global de 105 por 100 mil crianças".
"Em Portugal, o relatório mostra que 95% das crianças acolhidas no âmbito do Sistema de Promoção e Proteção encontram-se em acolhimento residencial, o que representa o valor mais elevado entre os 42 países analisados", denuncia a Unicef.
A realidade portuguesa, aparentemente, segue a tendência vigente na Europa Central, onde se regista "a maior taxa de crianças em unidades de acolhimento residencial, com 294 por 100.000 crianças -- quase o triplo da média mundial".
"Apesar de as instituições na Europa Ocidental serem, em grande parte, pequenas e integradas nas comunidades, persiste uma dependência excessiva de acolhimento residencial em detrimento do acolhimento familiar", aponta a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).
Para o organismo das Nações Unidas, a explicação está, em parte, no "aumento de crianças e jovens não acompanhados e separados que procuram asilo na Europa nos últimos anos".
O relatório da Unicef dá conta também dos "desafios significativos" que as crianças com deficiência continuam a enfrentar, "com maior probabilidade de serem colocadas em unidades de acolhimento residencial em comparação com crianças sem deficiência".
"Nos países onde existem dados disponíveis, as crianças com deficiência representam entre 4% e até 87% das crianças em unidades de acolhimento", revela, acrescentando que em mais de metade dos países com dados disponíveis, a proporção de crianças com deficiência em todos os tipos de acolhimento residencial formal aumentou entre 2015 e 2021.
Refere que, no caso de Portugal -- que tem por base os dados do relatório CASA (Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens) 2022 -- 14% das crianças institucionalizadas têm uma deficiência física ou mental.
A Unicef cita "estudos sobre os impactos da separação familiar e da institucionalização no desenvolvimento e no bem-estar das crianças" para salientar que "as crianças institucionalizadas em unidades de grande escala enfrentam frequentemente negligência emocional e taxas mais elevadas de abuso e exploração, o que as expõe a problemas de saúde mental, angústia psicológica e trauma".
"As crianças institucionalizadas podem ter dificuldade em desenvolver relações positivas ao longo da infância e idade adulta, sentindo-se isoladas e solitárias. As crianças que estão em acolhimento residencial -- sobretudo nos primeiros anos de vida -- podem apresentar atrasos cognitivos, linguísticos e outros no desenvolvimento, e são mais propensas a entrar em conflito com a lei, perpetuando ciclos de institucionalização", alerta a Unicef.
A Unicef Portugal aproveita para propor que em Portugal seja feita a qualificação do sistema de promoção e proteção como um todo, que haja investimento e reforço em medidas preventivas e alternativas ao acolhimento e que seja executado um plano de desinstitucionalização progressivo e urgente.
