"Preocupação extrema." Número de queixas por violência doméstica aumentou este ano
Este ano, só no primeiro semestre, já morreram 12 pessoas em contexto de violência doméstica.
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O número de queixas por violência doméstica tem vindo a aumentar em 2023. Só no primeiro semestre do ano já morreram 12 pessoas. Esta semana morreu mais uma mulher. Na noite de 22 para 23 de agosto, Carla Fonseca foi assassinada pelo ex-companheiro de quem se tinha separado há cerca de um ano.
A primeiro sargento Célia Marcelino, da direção de investigação da Guarda Nacional Republicana, confirmou à TSF o aumento de queixas e sublinhou que, na GNR, só até 31 de julho o número de queixas é superior a todo o ano de 2022.
"Esta problemática que envolve a violência doméstica remete efetivamente para uma preocupação extrema no que concerne à prevenção e combate a este tipo de crime. Apesar de haver uma maior consciencialização e preocupação com esta problemática, os números continuam a ser bastante negativos. Prova disso são as queixas que foram apresentadas no ano de 2022 e, a título comparativo, em 2022 foram apresentadas 8315 queixas e no presente ano, até 31 de julho, foram apresentadas na Guarda Nacional Republicana 8668", reconheceu Célia Marcelino.
A GNR tem um departamento próprio para investigar estes casos. O Núcleo de Investigação e Apoio a Vítimas Específicas (NIAVE) tem profissionais especializados para dar seguimento às queixas das vítimas de violência doméstica.
"A Guarda Nacional Republicana tem tido uma preocupação acrescida perante estes números e, para constatar isso mesmo, a GNR tem, na sua estrutura militar, profissionais especializados no atendimento de vítimas especialmente vulneráveis, que é o caso das vítimas do crime de violência doméstica. A Guarda Nacional Republicana possui também recursos humanos especialmente selecionados e qualificados para trabalhar este tipo de matérias e a GNR possui também espaços próprios para o atendimento destas mesmas vítimas. Estes espaços são reservados e com umas características específicas", explicou à TSF a sargento.
O crime de violência doméstica é um crime público, ou seja, não depende de qualquer queixa. Por isso, Célia Marcelino lembra que é imperativo que quem se depare com uma situação de violência doméstica denuncie o caso às autoridades.
"Essa denúncia pode ser feita através de quem quer que seja, seja de um vizinho, seja de um familiar ou amigos. Importa é que seja dado conhecimento ao Ministério Público para que este depois possa promover o processo. Toda a gente conhece alguém que é vítima de violência doméstica, infelizmente, e na verdade acabam por nada fazer para que seja impedida uma continuidade deste crime com receio de possíveis represálias mas, como já referi, há diversos meios para realizar esta denúncia. Importa também quebrar um mito, - um mito antigo, por sinal -, que refere que entre marido e mulher, ninguém mete a colher, mas não podemos esquecer que neste tipo de crime tem que ser salvaguardado o bem mais precioso, que é o direito à vida", avisa.
A TSF já pediu também informações à PSP sobre as queixas de violência doméstica apresentadas na polícia, mas ainda não obteve qualquer resposta.
Daniel Cotrim, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), sublinhou que este aumento dos números de queixas de violência doméstica tem dois lados.
"O facto de haver mais denúncias quer dizer, por um lado, que as campanhas de informação de sensibilização junto dos cidadãos e cidadãs estão a surtir efeito, nomeadamente e especificamente nas pessoas que são vítimas de violência doméstica. Tomam consciência de que têm de agir, que existem organizações, entidades públicas e privadas que lhes podem prestar apoio, que estão próximas delas, muitas vezes apesar de ser à distância, mas com o contacto telefónico e o apoio online de alguma forma estão mais perto e conseguem perceber que há ajuda para elas. Isto é o lado positivo de toda esta sensibilização. Por outro lado, também a sensibilização da comunidade em geral para a questão do crime público que é a violência doméstica, o reverso deste lado é sempre perigoso. Dizemos que o facto de aumentarem as denúncias quer dizer que está a aumentar o crime da violência doméstica, mas aquilo que nos deve fazer pensar é que a violência doméstica continua a ser um fenómeno criminal, com uma altíssima taxa de incidência em Portugal. É o crime mais registado", esclareceu Daniel Cotrim.
O responsável da APAV adianta que tem diminuído o tempo entre o primeiro ato de violência e a apresentação da queixa.
"Se olharmos, por exemplo, até para os anos em que as pessoas vivem em situações de violência, este tempo tem diminuído, ou seja, o tempo que medeia entre a primeira forma de violência, o primeiro ato agressivo, tem diminuído. Há uns anos, no tempo entre esse facto e a primeira denúncia falaríamos em cerca de 15 anos. Agora estamos a falar em cerca de seis ou dois anos entre o primeiro ato de violência e a primeira denúncia. Isto é importante, quer dizer que as pessoas rapidamente tomam consciência, as próprias vítimas reconhecem que estão a ser vítimas. No entanto, aquilo que também nos dizem os números é que rapidamente este tipo de violência escala", afirmou o membro da APAV.
Daniel Cotrim lembra que o crime de violência doméstica é um atentado aos direitos humanos e que, por isso, é preciso que as pessoas denunciem os casos.
"Aquilo que sabemos é que 75% das denúncias são feitas pela própria vítima e muitas vezes para a vítima dar este passo é preciso um longo caminho. É preciso um trabalho interno, muitas vezes solitário, individual, que lida com questões de medo, com questões do que é que os outros vão achar, de validação do próprio, mas é fundamental também percebermos que o crime de violência doméstica diz respeito a todos nós. Primeiro porque faz de nós um país mais pobre, menos desenvolvido porque o crime de violência doméstica atenta contra os direitos humanos e um país que respeita, que está atento aos direitos humanos é um país mais rico, é um país mais desenvolvido", acrescentou.