Salários em atraso nos bares da CP: viver sem o ordenado "que é sagrado para quem trabalha"
Com ordenados em atraso, os 130 funcionários da empresa que geria e fornecia os bares da frota da CP vivem de ajudas de família, amigos ou anónimos. Sandra e Lurdes são dois exemplos de sobrevivência. Cada uma tenta, como pode, dar a volta a uma situação que nunca pensaram que lhes pudesse bater à porta.
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Lurdes Machado tem 12 anos de serviço nos comboios da CP. "Nunca pensei viver uma situação destas. Trabalho há 31 anos e nunca vivi algo parecido com isto."
Com o filho e muita ajuda vai gerindo o dia-a-dia. "O meu filho trabalha em part-time e vai-me apoiando, tenho os meus pais, tenho amigos... E é assim que vamos vivendo e a fazer algumas dívidas, que vamos pagar quando recebermos."
As propinas da universidade do filho estão em falta. A prioridade de Lurdes é garantir o teto que tanto custou a comprar.
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"Se eu perder o meu apartamento, neste momento, eu não consigo alugar uma casa. Por isso, esta é a minha principal preocupação."
Lurdes lamenta o limbo em que ela e os 129 colegas vivem desde que a Apeadeiro 2020 - empresa que geria e fornecia os bares da CP - os deixou sem nada na mão. A este lamento acrescenta o muro de burocracia para resolver o problema. "Dizem sempre que temos de esperar... é muita burocracia!"
Sandra Proença trabalha nos comboios da CP há 15 anos. "As empresas vão mudando conforme são lançados os concursos pela CP, mas este último patrão brincou connosco. O ordenado é sagrado para quem trabalha."
Nunca teve dívidas, mas agora Sandra já não tem as contas em dia. Apesar da angústia, não perde o sorriso, sentada num sofá por baixo dos dois guarda-sóis gigantes. O resguardo tapa as tendas, a mesa, o micro-ondas, a placa elétrica e outros bens que o piquete de protesto tem montado frente à estação de Campanhã, no Porto. A generosidade alheia completa o cenário.
"O que nos tem valido é a ajuda dos portugueses. Às vezes deixam uma moeda de um euro... ou comida."
Assustada e insegura, Sandra diz que já pediu dinheiro emprestado e já emprestou. Os quatro cães, oito gatos e alguns pássaros são outra preocupação.
"Eu sempre ajudei as associações que fazem peditórios, agora sou eu que peço ajuda. É angustiante."
Sandra e Lurdes sentem-se entregues ao tempo e à burocracia, com esperança que a luz ao fundo do túnel chegue até ao final do mês, com dinheiro à vista.
A CP anunciou, na semana passada, que espera num prazo máximo de três semanas, retomar o serviço de cafetaria e bar a bordo dos comboios Alfa Pendular e Intercidades. Para isso, a empresa lançou uma consulta prévia com vista à reposição do serviço e ao pagamento dos salários em atraso dos 130 trabalhadores.