A visita está marcada para 4 de agosto, mas entre os moradores poucos acreditam que vão chegar a ver o "homem de branco". Francisco quer conhecer a obra social do padre Crespo, que é uma ilha cercada de outra realidade por quase todos os lados.
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De manhã até pode demorar, mas a esta hora, depois de almoço, o 702 da Carris faz num instantinho a viagem desde o Marquês de Pombal até ao Bairro da Serafina.
O Papa vai chegar lá ainda mais depressa, no dia 4 de agosto, mas também não terá a D. Helena como guia qualificada, nem esta vista surreal só para quem serpenteia entre os arcos do Aqueduto das Águas Livres.
Logo no primeiro lugar do autocarro, D. Helena, 64 anos feitos, só menos um no bairro, lamenta esta Serafina: "já não é o que era...fecharam muitas lojas, cafés. Quando construíram os prédios novos deitaram muita coisa abaixo e ainda não arranjaram. Agora é que estão a arranjar tudo por causa do Papa, se ele visse aquilo até desmaiava. Mas ele só vai à parte da igreja que está bonita".
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Confirma-se. A última paragem do autocarro é mesmo frente ao Centro Social e Paroquial, uma aldeia de serviços à comunidade, branca, limpa e vedada. Até a chegada do 702 até aqui foi uma conquista do padre Crespo. O homem que levará o Papa a esta franja de Lisboa.
No restaurante D. Mãe, há dois sobrinhos a ajudar no armazém e na arrumação das chávenas de café. A senhora Maria faz o desenho de um círculo com o braço esticado, "sou mãe deles todos", sorri a abarcar todo o bairro.
A visita do Papa é bem-vinda, mas não conta ter grandes proveitos. "Só águas, só vou vender águas que deve vir para aí muita gente e está calor... agora o Papa nem vamos vê-lo. Só se formos snipers, lá em cima daquele prédio". Aponta para lá das casas meio em escombros.
Lá está o prédio de habitação social; tem na cave o Posto Médico. "É tudo grátis, é da Santa Casa", explica Felismina enquanto espera a vez na cadeira do dentista, "também não se paga nada". É mais uma obra do padre Crespo.
Por aqui, a mesma falta de expectativa na voz, agora muito baixa, de Felismina: "Isto é só droga, uma miséria. O senhor vem num carrinho e vai visitar o que interessa à igreja. Vai-se embora logo... não, isto não interessa a ninguém".
Na esplanada há mais animação. Duas mulheres discutem afincadamente os atributos físicos do "homem de branco", serão pouco mais novas que ele e se uma diz "é bonito", a outra responde, "é jeitoso". Riem-se, é claro. Mas esperam tirar teimas ao vivo e a cores.
De volta à paragem de 702, agora para regressar a Lisboa, uma mulher de preto confessa-se: "Eu já vi o Papa. Fui a Roma com o meu marido. Há muitos anos. Se calhar não era este...".