"Uma calamidade!" Produtores de carne certificada sem encomendas nem soluções
A TSF falou com quatro associações de criadores de carnes certificadas. Partilham todas prejuízos avultados e o mesmo sentimento de desolação.
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As raças autóctones transmontanas, como todas no país, estão a passar um momento de grande privação e, no horizonte, levantam-se nuvens muito negras quanto ao seu futuro. Partilham prejuízos avultados e o mesmo sentimento de desolação
"Não temos uma única solicitação, não temos nenhuma encomenda do cordeiro mirandês", diz Andrea Cortinhas, secretária técnica da Associação Nacional de Criadores de Ovinos da Raça Churra Galega Mirandesa.
Américo Vaz, presidente da Associação Nacional de Caprinicultores da Raça Serrana (ANCRAS) lamenta o momento " Não temos pedidos para compras de cabritos". Da parte da carne mirandesa, Nuno Paulo, secretário técnico da Associação de Criadores de Bovinos de Raça Mirandesa salienta a gravidade " Nós, de um dia para o outro, tínhamos 430 clientes ativos e ficámos com 19".
E na Associação Nacional de Criadores de Suínos de Raça Bísara a situação é desoladora, assinala Pedro Fernandes, secretário técnico, "Cerca de 80% da produção da raça é para leitão de assar e todas as encomendas foram canceladas".
É esta a situação insustentável a que chegaram, em menos de um mês, as associações transmontanas de criadores de carnes DOP - denominação de origem protegida. São o espelho de todas no país. O cabrito serrano, único DOP nacional da espécie, e muito presente nas ementas da Páscoa ficará nos rebanhos, diz Américo Vaz, presidente da Associação da Cabra Serrana. " Estávamos a pensar tirar à volta de 800 cabritos e vai-se complicar porque as encomendas têm sido pouquíssimas"
Na Cabra serrana são 170 criadores. No cordeiro mirandês 65. O Natal e a Páscoa são alturas nobres de venda. Era um pé-de-meia para o resto do ano diz Andrea Cortinhas, Técnica da Associação. "Para fazer face ao resto do ano e é o sustento diário para os criadores. Nesta altura estávamos a pensar vender até uma tonelada de carne de cordeiro mirandês. Neste momento não vendem os cordeiros, têm que os sustentar mais uns tempos. É um prejuízo enorme, enorme".
Nem os cordeiros saem nem os 500 leitões bísaros semanais, acrescenta Pedro Fernandes da Associação de Criadores de Raça Bísara. " Que eram comercializados na zona do grande Porto, nalguns restaurantes, noutros aqui da região e em assadores particulares, mas sim era cerca de 500 leitões bísaros por semana, agora nada".
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Mais de duzentos mil euros em cerca de 90% das vendas / encomendas que não foram feitas é o prejuízo da Carne Mirandesa. Nuno Paulo diretor técnico diz que, "o fecho dos restaurantes, a falta de turistas, o cancelamento das grandes feiras nacionais, está a deixar tudo num caos". Acrescenta que "apesar dos criadores da raça serem na maioria idosos, os mais jovens são os que vão sofrer mais porque tiveram que fazer empréstimos e recorrer à banca e agora ficam sem possibilidade de realizar dinheiro porque os animais não saem"
Nuno Paulo pede um desígnio nacional ao governo e uma ajuda às grandes superfícies. " Os portugueses continuam a ir ao supermercado e o país precisa de carne. Sabemos que de Espanha, principalmente, chega às grandes superfícies a preços mais baixos. Vamos ajudar os outros países? Temos que olhar para isto numa perspetivas de que estamos perante uma crise económica sem precedentes. Sabemos que todos vamos perder. Já estamos em conversações com as grandes superfícies. Vamos ver ".
Andrea Cortinhas assina por baixo. "Anda-se sempre a dizer que o que é nacional é que é bom, e é, porque estes produtos seguem regras muito apertadas de produção. São mais caros por isso mesmo. As grandes superfícies deviam ser mais solidárias com os nossos produtores e darem valor ao que é nosso".
O mesmo pensa Américo Vaz do cabrito serrano. "Havia de haver qualquer coisa que as obrigasse (grandes superfícies) a comprar do nosso produto, também. São raças autóctones. Se não olharmos por esta situação vão acabar por desaparecer".
Entretanto a Associação do porco Bísaro, adotou uma medida para minimizar os prejuízos, salienta Pedro Fernandes." Será o abate e o congelamento dos leitões durante o tempo que isto durar. Só que depois surge outro problema, isto tem custo e depois não é garantido que o mercado, no futuro vá absorver esse leitão congelado porque vai continuar a consumir o fresco".
O cabrito serrano também tem arranjado uma maneira "à antiga" para tentar escoar a produção, salienta Américo Vaz. "Nos últimos três dias temos estado a contactar amigos nossos e esses amigos contactaram outros amigos e já temos aqui uma rede com algumas encomendas para depois fazê-los chegar a casa". (A ANCRAS entrega encomendas em todo o pais mediante contacto com pelo email geral@ancras.pt)
Todas estas raças têm poucos efetivos e são protegidas. A denominação de origem obriga a regras muito rígidas para manter a elevada qualidade do produto e um seguimento constante por parte dos técnicos das diversas associações, coisa que não estão a fazer por causa das imposições da pandemia. Poderá ser outro problema no futuro se nada for feito. Todas elas precisam de ajuda. Agora mais do que nunca.
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