- Comentar
A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) decidiu elaborar um memorial em homenagem às vítimas dos abusos sexuais na Igreja Católica durante a Jornada Mundial da Juventude em Lisboa, neste verão, que ficará depois nas suas instalações. O anúncio foi feito pelo porta-voz da CEP, Manuel Barbosa, numa conferência de imprensa esta sexta-feira, em que foi reafirmada uma política de "tolerância zero para abusadores".
Relacionados
Bispos anunciam esta 6.ª feira medidas para responder a abusos sexuais na Igreja
Bispos estão a "atrasar problema". Daniel Sampaio diz que lista enviada à Igreja não tem só nomes
Sócios denunciam que maus-tratos continuam no Lar do Comércio em Matosinhos
Os bispos portugueses vão também promover um "gesto público" de pedido de desculpas às vítimas, em abril, em Fátima.
Já as listas dos alegados abusadores, que já estão com José Ornelas, presidente da CEP, e com cada uma das dioceses implicadas, "terá o devido seguimento" tendo em conta as "normas canónicas e civis".
"Aquilo que a comissão nos deu, às vezes não coincide, porque às vezes nem a diocese corresponde com o distrito" explicou, acrescentando que "é normal".
"O que nos foi entregue é uma lista de nomes, e sendo uma lista de nomes sem outra caracterização, exige redobrados esforços", assinalou José Ornelas, que explicou que a listagem vai agora ser cruzada com as informações que a Igreja já tem sobre os visados.
Subscrever newsletter
Subscreva a nossa newsletter e tenha as notícias no seu e-mail todos os dias
"Primeiro é preciso saber se identifico esse nome e se corresponde, depois se essa pessoa é viva e, terceiro, ver se já houve um caso e se já foi investigado", detalhou quando questionado especificamente sobre a sua diocese.
"Para fundamentar a validade de um processo e eventual causa penal, são precisos elementos que não estão nesta lista", não sendo para já possível a José Ornelas afirmar se os identificados serão imediatamente afastados ou não. Pode, ainda assim, haver "suspensões cautelares".
"É preciso não esquecer que ninguém é acusado nem culpado antes de isso transitar verdadeiramente em juízo e em processo, é preciso ver a verdade dos factos", assinalou José Ornelas.
"Sem saber quem foi que denunciou ou porque é que denunciou é muito difícil", sublinhou, sendo agora necessário trabalhar a nível diocesano. O afastamento de alegados padres abusadores de menores está nas mãos de cada bispo "Cada bispo tem de ver, à luz do Direito Civil e do Direito Canónico, quais as medidas apropriadas a tomar", afirmou.
"Eu não posso ir tirar alguém do ministério só porque chegou alguém que disse 'este senhor abusou'. Mas quem foi que disse, em que lugar, onde?", ressalvou Ornelas, realçando que "tirar alguém do ministério é grave".
Questionado sobre o eventual encobrimento de abusos, José Ornelas reiterou que o episcopado português não pactua com estas, nem embarca com acusações de encobrimento.
"A conclusão é sempre a mesma. Nós não pactuamos com situações dessas, mas também não embarcamos em qualquer acusação de encobrimento. Isto não é uma estratégia de defesa, nem de coisa nenhuma", referiu, acrescentando que "a própria noção de encobrimento no Direito português é difícil de colocar".
As indemnizações eventualmente devidas serão "responsabilidade" de quem praticou crimes, sendo que nenhuma vítima ficará sem auxílio "por falta de meios". Quem precisar de ajuda "vai tê-la, isso garantimos".
As diretrizes da CEP e os planos de formação dos seminários vão também ser revistos, anunciou, após deixar mais agradecimentos à comissão independente pelo trabalho realizado.
As recomendações "práticas" da mesma comissão vão ser "revistas" à luz do direito canónico, como é o caso do "ambiente de confissão", abolindo-a em espaços fechados. Ainda assim, a abolição do sigilo da confissão "não está nem nunca estará em questão".
Sobre o memorial, questionado sobre um meio espanhol, Ornelas assinalou que "é bom, num evento como a JMJ, ter uma chamada de atenção para um assunto como este, não só em Portugal como para todo o mundo". O local é "adequado e justo", mas merece "algo mais durável", podendo Siza Vieira vir a ser o autor da obra.
"Vai haver um trabalho em conjunto [com outras instituições] na JMJ para a proteção de menores", e o tema vai ser realçado com um memorial no espaço da Reconciliação, "que achamos o indicado" para o efeito, acrescentou José Ornelas.
Quanto à possibilidade de, a par dos momentos de pedido de perdão, haver encontros entre os bispos e as vítimas, José Ornelas disse que "o que houver" neste capítulo "não será noticiado".
"O recato das próprias vítimas é para ser respeitado", acrescentou.
O documento que saiu da assembleia plenária sublinha a necessidade de "ir ao encontro daqueles que foram vítimas desta situação dramática", às quais a Igreja diz querer "continuar a dar voz para que o seu sofrimento não fique calado".
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, que validou 512 dos 564 testemunhos recebidos, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de vítimas da ordem das 4.815, alertou desde logo que os dados "devem ser entendidos como a 'ponta do iceberg'".