Desinfetante usado nos metros e comboios sem evidência científica de ser eficaz
Empresas públicas dizem que produto evita que o novo coronavírus contamine as superfícies durante 30 dias. DGS afirma que nada o prova e encontrou falhas na publicidade feita a este desinfetante.
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A Direção-Geral da Saúde (DGS) diz que "não existe evidência científica" de que o desinfetante Microbe Shield Z-71, que tem sido usado por grande parte das empresas de transportes públicos, "seja eficaz" contra o novo coronavírus.
O produto, um biocida desinfetante, foi até agora usado nos metros de Lisboa e do Porto, comboios da CP, barcos que atravessam o rio Tejo e aeroportos, sendo apresentado, publicamente, pelas empresas públicas de transportes, como "uma nova e disruptiva tecnologia de desinfeção", "inócua para os humanos e animais", mas "mortal para uma ampla variedade de bactérias e vírus", incluindo o que causa a Covid-19.
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Contudo, mais que a capacidade anterior aquilo que será único no Microbe Shield Z-71 é o facto de o seu efeito durar um mês (30 dias), como refere a empresa que vende o produto, as empresas de transportes que o usam e até o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, nas declarações aos jornalistas durante uma ação de desinfeção.
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DGS sem evidências científicas
A TSF questionou a DGS, que responde que "não existe evidência científica, até à data, que seja eficaz contra o vírus" quando questionada sobre a eficácia do Microbe Shield Z-71 contra o novo coronavírus e sobre a sua capacidade para evitar que contamine as superfícies durante 30 dias.
A DGS também refere que "os desinfetantes têm uma ação específica sobre os microrganismos. No momento da aplicação, as superfícies ficam desinfetadas, mas passado algumas horas e depois de novamente utilizadas ficam outra vez contaminadas".
Empresa notificada por falhas na publicidade
A autoridade de saúde pública acrescenta que a empresa do Microbe Shield Z-71 foi entretanto notificada porque não estava a cumprir as regras da publicidade previstas no Regulamento dos Produtos Biocidas.
Nomeadamente porque a publicidade em causa "não pode, em caso algum, conter as menções "produto biocida de baixo risco", "não tóxico", "inócuo", "natural", "respeitador do ambiente", "respeitador dos animais", nem indicações semelhantes" que darão, segundo o artigo citado pela DGS, indicações "enganosas" "no que diz respeito aos riscos do produto para a saúde humana".
A informação disponível, por exemplo,
no site do Metro de Lisboa
e do
Governo
diz que o produto é "inócuo".
Por outro lado, a DGS também adianta à TSF que o produto em causa não incluía a menção, obrigatória, de que os biocidas têm ser usados com cuidado.
Empresa garante testes independentes
O Microbe Shield Z-71 foi desenvolvido pela Zoono, uma empresa da Nova Zelândia, que anunciou no final de fevereiro, pouco mais de dois meses depois do surgimento da Covid-19 na China, que o produto era eficaz contra o novo coronavírus.
A representante da Zoono em Portugal, Miguel Alves, sublinha que os testes foram feitos por entidades independentes que garantem a capacidade de desinfetar e evitar que o novo vírus se fixe na superfície durante 30 dias.
À TSF, Miguel Alves fala numa tecnologia inovadora, comprovada por inúmeros testes laboratoriais", sendo o único, com as suas características, no mercado mundial.
A procura em Portugal tem sido grande desde o início do surto da Covid-19 pois não há mais nenhum produto desinfetante biocida que garanta que não é necessário limpar as superfícies todos os dias.
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O preço ronda os 30 euros por litro - litro e meio dá para desinfetar, na área dos transportes, cerca de 100 metros quadrados.
Sobre a resposta da DGS, a empresa em Portugal remete para o comunicado da Zoono internacional que garante a eficácia com testes feitos por entidades independentes, sublinhando que o produto está a ser usado em inúmeros transportes públicos de todo o mundo.
Miguel Alves questiona ainda se os outros desinfetantes que estão a ser usados em Portugal também têm a ação comprovada contra o novo coronavírus.
"Nunca dissemos que é um produto milagroso e sempre afirmámos que a sua ação é até 30 dias porque os testes o comprovam, mas que em zonas com maior uso, com superfícies mais expostas, alertamos que vale a pena fazer um reforço semanal - por exemplo nas zonas onde os passageiros do metro se seguram", detalha o representante da Zoono.
"Parece ter as propriedades adequadas"
O presidente do Colégio de Engenharia Química e Biológica da Ordem dos Engenheiros, António Gonçalves da Silva, analisou as característica do Microbe Shield Z-71 e refere, à TSF, que à partida é possível que tenha as capacidades desinfetantes que permitem destruir o novo coronavírus.
"Não mata o vírus porque o vírus não é um ser vivo, mas terá a capacidade de o desagregar", explica, sendo que mesmo a explicação do fabricante para a capacidade de se manter ativo durante 30 dias nas superfícies é viável.
"Se são 30 dias ou não, não sei", "mas do ponto de vista químico este produto parece ter as propriedades adequadas para desinfetar e ficar nas superfícies durante um período razoável", refere António Gonçalves da Silva.
O representante da Ordem admite que a eficácia deste tipo de produtos não é avaliada por nenhuma entidade oficial sendo, na prática, avaliados pelo utilizador e pelos testes que os fabricantes fazem ou mandam fazer: "Neste caso a única informação que conheço é a dada pelo fabricante, fazendo fé no que o fabricante nos dá", tal como "quando se compra ou sabonete ou um shampoo", conclui.