
Hospital São João, Porto
Leonel de Castro/Global Imagens
As mortes em julho aumentaram em 26% face ao período homólogo de 2019. Médicos de saúde pública admitem que as causas possam estar relacionadas com a pandemia.
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Trata-se do maior número de óbitos registados durante o mês de julho desde há 12 anos. Morreram no total 10.390 pessoas, o que constitui um aumento de 26% face a julho de 2019.
A Direção-Geral da Saúde acredita que a subida da mortalidade é justificada pelo calor extremo, mas o jornal Público, que revela os dados, avança outras explicações, relacionadas, de forma indireta, com a pandemia. O primeiro fator, apontado por Alexandre Abrantes, subdiretor da Escola Nacional de Saúde Pública, é o facto de as pessoas não terem recorrido aos serviços de saúde por medo de serem contagiadas com o novo coronavírus.
A segunda razão, também ligada à crise sanitária, é o adiamento de exames e cirurgias, que agora estão a engordar as listas de espera.
Outra explicação fornecida é o tratamento diferenciado aos doentes não Covid, uma vez que os médicos e as máquinas estão voltados para a Covid-19, mas esta é uma hipótese que Alexandre Abrantes considera ter menos impacto, porque há espaço para as urgências. Os serviços não estão no limite.
Outro especialista em medicina interna, António Vaz Carneiro, não tem dúvidas: o aumento da mortalidade é provocado pela negligência e pela impossibilidade de acesso a cuidados de saúde, por parte dos dois milhões de doentes crónicos em Portugal. São doentes com múltiplas doenças, que não têm agora consultas, segundo afirma Vaz Carneiro ao jornal Público.
O investigador do Instituto de Medicina Preventiva e Saúde Pública Paulo Jorge Nogueira aponta ainda o envelhecimento da população.
No último mês de julho, morreram 10.390 pessoas, mais 2137 do que em julho do último ano. O aumento de 26% traduz-se no valor mais alto entre todos os meses de julho, desde que há registo de óbitos diários, ou seja, desde 2009. Destas mortes, apenas 1,53% se devem diretamente à Covid-19, de acordo com os dados oficiais.
De acordo com António Vaz Carneiro, especialista em medicina interna, a mortalidade vai manter-se elevada enquanto os cuidados de saúde não forem repostos na totalidade. Ouvido pela TSF, António Vaz Carneiro sublinha que não devem ser feitas comparações diretas entre épocas anteriores e o período de uma pandemia em curso.
O excesso de mortalidade, refere, deve-se, "não só à falta de oferta de cuidados", mas também ao "medo de ir às consultas". Tudo indica, analisa António Vaz Carneiro, que o valor extraordinário de óbitos se prende "não com as pessoas que têm Covid, mas com as pessoas que não têm Covid". No entanto, o médico acredita que a justificação definitiva só poderá ser encontrada e provada com o fim da pandemia.
O aumento da mortalidade é provocado assim pela negligência e impossibilidade de acesso a cuidados de saúde, por parte dos dois milhões de doentes crónicos em Portugal, os mais suscetíveis a morrerem perante a ausência de prestação de serviços médicos. A opinião de António Vaz Carneiro, também presidente do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência, demonstra a urgência de recuperar a normalidade do atendimento.
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Ao contrário do que salientou a DGS, António Vaz Carneiro assinala que, "durante o verão, esperamos habitualmente uma diminuição da mortalidade, mas enquanto não se retomar a atividade normal nos serviços de saúde, vamos ter sempre um impacto negativo na mortalidade e morbilidade destes doentes".
"Há um grupo de doentes que morrem com Covid e depois há um conjunto maior de pessoas que morrem sem Covid", conclui o especialista.
Atualizado às 10h13
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