Rever norma das instituições? "Deixar uma criança num quarto e bater a porta é impensável"
A rede Care da APAV, com locais onde as crianças chegam acompanhadas, pede uma revisão da norma que determina isolamento obrigatório para pessoas institucionalizadas durante a pandemia. O refúgio Aboim Ascensão, que recebe menores, também considera que na prática isolar como é indicado não é exequível.
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Quem é institucionalizado durante a pandemia é obrigado a enfrentar um período de isolamento, porque quem lá reside, segundo a DGS, encontra-se "protegido numa bolha de isolamento". O perigo provém, por isso, de quem virá do lado de fora, pelo que existe a indicação de que quem entre numa instituição permaneça em isolamento durante 14 dias. Foi o que explicou na quarta-feira a ministra da Saúde, na conferência de imprensa de atualização epidemiológica.
Mas, para quem vive de perto a realidade de uma instituição, a norma carece de revisões, ainda que Graça Freitas, diretora-geral da saúde, vinque que "isolar não é abandonar". Carla Ferreira, gestora da rede Care da APAV, rede de apoio a crianças e jovens vítimas de violência sexual, conta que o isolamento está a ser cumprido nas casas abrigo, onde as crianças chegam acompanhadas pelas mães ou uma "figura de conforto". Trata-se de uma situação diferente de locais a que as crianças chegam sozinhas. "Valia, por isso, a pena rever a norma e a forma como é aplicada", defende, em declarações à TSF.
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A responsável da APAV não descredibiliza a necessidade de respeitar o distanciamento dos recém-chegados, justificado pela DGS pelas orientações emitidas pela Organização Mundial de Saúde relativas ao período de incubação da Covid-19, que se crê ser de 14 dias. No entanto, analisa ser possível "garantir que de facto as instituições, sendo esta uma matéria de saúde pública, têm ações efetivas para providenciar a estas crianças o menor impossível de um isolamento decorrente da entrada".
A chegada a uma instituição, depois do abandono "de um contexto em que estavam em risco ou em perigo, sendo que este risco ou perigo está muitas vezes associado a contextos de violência, muitas vezes praticada dentro de portas", é já, por si só, um momento difícil para as crianças, a que acresce o isolamento obrigatório, lembra Carla Ferreira. "Estamos a falar de uma quase dupla penalização para estas crianças."
"Todo este contexto novo associado a um isolamento de 14 dias - que se mantém, ainda que um rastreio tenha dado negativo - não faz antecipar que estas crianças reajam muito positivamente, especialmente depois de retiradas do seu ambiente habitual", garante a gestora da rede Care.
Embora assevere que "todos os espaços [da rede] de acolhimento estão a cumprir todas as regras", a técnica revela que a instituição tem o cuidado de aliviar o peso da medida: "Diminuímos ao máximo o período necessário. Fazemos os testes para garantir que as pessoas estão bem e o acompanhamento em permanência."
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Luís Villas Boas, do refúgio Aboim Ascensão, considera que o Executivo deve procurar uma solução alternativa para as crianças mais velhas. "A Segurança Social e a Saúde terão de ir mais além do que aquilo que é prover materiais às instituições. É necessário encontrar locais, algures em instituições vizinhas, onde as crianças possam fazer a quarentena, em vez de fechar as crianças em quartos."
Tal como Graça Freitas admitiu na quarta-feira - numa referência à mitigação do prejuízo para a saúde mental -, Luís Villas Boas avalia que o isolamento pode "provocar perigos para as crianças e adolescentes". Na prática, o isolamento no refúgio Aboim Ascensão colmata ao máximo a falta de contacto humano, explica o responsável. "Temos recebido cinco, seis crianças, algumas de três ou quatro anos. Essas crianças têm sido colocadas em quartos ao lado dos quartos normais, e são criadas equipas de apoio e entretenimento, para manter as crianças o mais ativas e despertas possível, fora desse sofrimento que seria fechar uma criança num quarto."
"Deixar uma criança num quarto e bater a porta é simplesmente impensável", posiciona-se Luís Villas Boas.
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