Nascem em blogues, páginas falsas e mensagens de WhatsApp, mas, ainda assim, há quem insista em chamar-lhes "notícias". O que são "fake news"? Que papel têm nas eleições, nomeadamente nas do Brasil? O jornalismo tem culpas no cartório? Todas as respostas aqui.
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Chamam-lhes "fake news", mas são tudo menos notícias. O termo popularizado por Donald Trump na corrida eleitoral às Presidenciais dos EUA, em 2016, tem várias interpretações e nenhuma é propriamente lisonjeira para o jornalismo.
"Não me identifico com essa expressão, porque é uma contradição em si mesma. Se fossem 'news' não podiam ser 'fake'", defende o professor de jornalismo da Universidade do Minho, Luís António Santos.
Para o investigador, é importante perceber que o termo "fake news" ganhou força quando foi utilizado repetidamente por Donald Trump não para classificar informação falsa, mas sim para "rotular produção informativa concreta, real, sustentada, verdadeira, mas que lhe era desfavorável."
A visão de Luís António Santos é partilhada pelo investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS), Francisco Conrado, que explica o conceito à TSF.
"As 'fake news' são uma espécie de relatos verosimilhantes que podem passar por relatos verdadeiros. Não são notícias. Têm os formatos e as características de uma notícia, mas não obedecem aos princípios da credibilidade e da investigação das fontes. É simplesmente um relato ficcional."
Luís António Santos dá o exemplo de Cristiano Ronaldo - a propósito do caso em que o jogador é acusado de violação - para mostrar como, por vezes, a expressão "fake news" é utilizada sem fundamento.
"Até os empresários do Cristiano Ronaldo usaram essa expressão para catalogar uma reportagem feita por uma conceituada revista alemã [Der Spiegel], feita por vinte e tal jornalistas, verificada por equipas de advogados. É absurdo deixarmos que se cole a um trabalho jornalístico desta seriedade essa expressão."
Por que estão a migrar as informações falsas do Facebook para o WhatsApp?
À medida que o Facebook anuncia esforços para apertar o cerco às informações falsas que circulam na rede social, estas mensagens migram para outras plataformas, nomeadamente para o WhatsApp.
Em altura de eleições, o Brasil tem sido o caso mais gritante, com milhares de informações falsas sobre os vários candidatos a circularem em grupos de WhatsApp e, inclusive, com a revelação de que existem empresas apoiantes de Jair Bolsonaro a comprar pacotes de envio de mensagens em massa com conteúdo contra o Partido dos Trabalhadores (PT).
Francisco Conrado acredita que as "fake news" estão a ganhar espaço nesta plataforma "porque o WhatsApp permite mais facilmente a criação da chamada bolha" e acrescenta: "Apesar de no Facebook também estarmos cercados somente por pessoas que pensam como nós, ainda assim acabamos por ser confrontados também com pessoas que não concordam connosco."
Já no WhatsApp o contraditório desaparece: "A partir do momento em pertenço a um grupo só estarão dentro do mesmo as pessoas que, em princípio, partilham os meus ideais. É muito mais fácil disseminar uma mensagem e ela não ser disputada."
Diferentes países, diferentes plataformas, mas o mesmo problema
No mesmo plano, nos Estados Unidos, o Facebook continua a ser a rede social mais utilizada para disseminar informação falsa, uma vez que é a plataforma na qual os americanos despendem mais tempo durante o dia, como adianta a Folha de São Paulo.
Por outro lado, no Brasil "todos os pacotes de internet que as empresas oferecem disponibilizam o WhatsApp gratuitamente, logo as pessoas preferem usar o WhatsApp e não consumirem dados móveis do que usarem o Facebook que consome dados", explica Francisco Conrado.
O investigador lembra ainda que este problema afeta, sobretudo, países como a Índia - onde as informações falsas já levaram a homicídios - e países da América Latina e da América Central.
"Creio que os países que têm uma certa estrutura de acesso à tecnologia, mas que ao mesmo tempo enfrentam problemas sociais graves, são aqueles em que, neste momento, o WhatsApp tem sido mais utilizado."
E em Portugal?
Apesar de considerar que, em Portugal, as "fake news" ainda não representam uma situação de alarme, Francisco Conrado sublinha que "não podemos dizer que não existam". Os casos mais recorrentes estão relacionados com o futebol e com a política.
"Não podemos deixar de citar o PNR, por exemplo. É um partido que utiliza 'fake news' para disseminar as suas ideias que são anti-imigração, antieuropeias. É um dos partidos que utiliza muito esta ferramenta. No futebol, a maior parte destas notícias estão associadas a punições ou a problemas internos que acontecem dentro de determinadas equipas: uma discussão entre um treinador ou entre dois jogadores, por exemplo."
Queremos mesmo saber a verdade?
Por muito que a ciência e o jornalismo se esforcem por divulgar informação credível e sustentada, há quem continue a acreditar em informações falsas e teorias da conspiração, como a ideia de que a Terra é plana ou de que o Homem não chegou à Lua. E porquê?
Francisco Conrado responde: "A veracidade de uma notícia na era das 'fake news' é: se o meu sentimento é verdadeiro ao ler aquela notícia, essa é a única coisa que importa. Hoje em dia, vivemos uma época que é muito menos a época da racionalidade e mais das emoções. Quando estamos a falar das emoções não estamos a pensar se existe ou não veracidade."
Para Luís António Santos este fenómeno é o resultado de uma "erosão da confiança em entidades de intermediação tradicionais", ou seja, na classe política, na justiça, na ciência e no jornalismo.
"Ter anos e anos de evolução e investigação científica a serem comparados à possibilidade de a Terra ser plana é uma coisa terrível para nós todos enquanto Humanidade."
Pode o jornalismo dar a volta a um problema no qual também tem responsabilidade?
Luís António Santos é perentório: "O jornalismo precisa urgentemente - e este urgentemente já tem mais de 20 anos - de mostrar às pessoas que o seu trabalho é distinto, mostrar às pessoas que o trabalho jornalístico não é aquela outra coisa que eu vejo nas redes sociais."
No entanto, o professor da Universidade do Minho acredita que "não é isto que o jornalismo está a fazer em muitas circunstâncias", uma vez que os órgãos de comunicação social têm acompanhado o clima de crispação das redes sociais, dando argumentos a quem defende que o jornalismo não tem nada a acrescentar.
"Toda a gente anda exaltada com tudo nas redes sociais. Agora, o jornalismo não pode viver em cima destas exaltações permanentes. O jornalismo não pode viver em cima da aceleração do clique. Enquanto o jornalismo for absolutamente indiferente do resto que circula, o jornalismo não fará sentido nenhum."
A responsabilidade é, contudo, partilhada pelo consumidor de informação, acredita Luís António Santos, que defende uma "literacia mediática, mas também uma cidadania mais responsável."
Cinco dicas dos especialistas para ficar imune às "fake news"
1) Analise a fonte da informação: "Existem muitos sites criados com nomes muito parecidos com órgãos oficiais de comunicação e que acabam por causar confusão."
2) Confira a data da publicação. Nem só as notícias recentes circulam nas redes sociais.
3) Procure a mesma informação noutros órgãos de comunicação. "Se não há qualquer tipo de referência em qualquer outro lugar, há uma grande probabilidade de aquela informação ser falsa"
4) Tenha atenção às teorias da conspiração, ou seja, "à forma como a história é contada, os próprios termos e as consequências das histórias que lá vão."
5) Conheça o site a fundo. "Procure outras notícias na mesma página para perceber se aquilo é um veículo idóneo ou não."