Crise provocada pela Covid soma-se a sequência de resultados negativos. Especialista acredita que a ajuda do Estado implica reestruturação com venda de aviões e dispensa de pessoal.
Mesmo antes da pandemia a TAP já vinha de vários anos de resultados negativos. Desde a privatização de 2015 feita ainda no governo de Passos Coelho, a companhia teve quase sempre prejuízos: com a excepção de 2017, ano em que obteve lucros de 21 milhões de euros, a transportadora de bandeira portuguesa registou sempre resultados negativos: 156 milhões de euros em 2015, 28 milhões em 2016, 118 milhões em 2018 e 106 milhões no ano passado, valores que segundo o Tribunal de Contas, ficam abaixo do previsto no plano estratégico.
Esta evolução, e a paragem provocada pela pandemia, deverá levar a uma injeção de mil milhões de euros na companhia, em formato ainda por definir.
Lúcia Piedade, professora em gestão de crises e aviação na Universidade Lusófona, recorda em entrevista à TSF que "a TAP já tinha problemas. Quando o país estava em crise reestruturou-se, mas a TAP nunca se reestruturou".
A especialista sublinha que não há almoços grátis: "o Estado vai injetar capital, mas vai ter de ter retorno", afirma, explicando que "se houver uma injeção de capital será para salvar a empresa, mas uma ajuda implica condicionalismos, e isso vai passar por uma reestruturação muito grande que irá afetar os trabalhadores e a própria frota da TAP". E garante: "da maneira como a TAP está não é sustentável".
"Uma vez que temos abertura da União Europeia para que o governo possa fazer uma injeção de capital, essa seria a melhor solução", realça, admitindo que "isso implica medidas drásticas em termos da estrutura da empresa". "Mas estamos todos a pagar", sublinha, explicando que "quando se investe também se quer o retorno, e para salvar a empresa temos de redimensioná-la de modo a que ela fique estrategicamente competitiva no mercado e possa superar a crise e entrar no mercado pós-Covid que vai ser muito difícil e vai demorar tempo a regressar ao normal".
A empresa sublinhou que em 2019 os resultados operacionais já foram positivos, assim como o resultado líquido do segundo semestre. A recuperação não foi no entanto suficiente para anular o resultado negativo do ano como um todo.
A TAP fez investimentos a pensar num futuro que a Covid, pelo menos para já, destruiu: chegou mesmo a antecipar o aumento da frota planeada na estratégia 2015-2020, comprando em 2019 mais 17 aviões do que tinha previsto, ultrapassando a barreira das 100 aeronaves. No ano passado, a operadora renovou 70% da frota, num custo estimado de 1,5 mil milhões de euros, e que teve um impacto negativo de 55 milhões de euros nas contas de 2019.
A empresa que dá trabalho a mais de 10 mil pessoas ficou assim com uma frota renovada, feita de aviões mais modernos e eficientes - que não voam. E, nos próximos tempos, dificilmente voltarão a voar com a mesma frequência.
Lúcia Piedade não tem dúvidas: "a TAP terá de se desfazer de aeronaves". Mas a especialista em aviação e gestão de crises entende que a aposta na renovação da frota foi um investimento "com visão. É normal, o país estava a crescer no turismo, que até há três meses teve um desenvolvimento como nunca tínhamos visto. Teve azar: ninguém estava à espera de uma pandemia. Mas na altura a renovação da frota era uma mais-valia".
Mas depois veio a Covid, que para além da "redução de trabalhadores, que possivelmente será inevitável", implicará "a redução das aeronaves, que é fundamental. Não é sustentável ter tantas aeronaves no chão, ainda por cima com muitas delas em leasing".
Na apresentação de resultados deste ano, a companhia argumentou que a antecipação da compra pretendia, entre outras metas, "fazer face ao aumento de preços de combustível", algo que, tal como muitos outros fatores, seriam transformados pela pandemia, que já levou a uma queda a pique do preço do barril de petróleo.
A operadora apostou na América do Norte e assegura que a opção foi acertada: em 2019, cinco das sete rotas mais rentáveis foram para esse destino. Em 2015, a TAP tinha 16 voos semanais para a América do Norte, número que cresceu para 56 em 2019. Na apresentação de resultados do ano passado, a companhia sublinhou que queria fazer esse valor crescer para 82 em 2020 e sustentou que a expansão foi "crucial para a sustentabilidade da TAP", com "os Estados Unidos a representarem 13% do total das vendas" da empresa - mais do triplo do valor de h+a cinco anos. Os EUA são hoje o terceiro país do ranking de vendas da transportadora, atrás de Portugal e do Brasil.
Mas também no aspeto das rotas a operação da companhia terá, na opinião de Lúcia Piedade, de ser repensada: reestruturação passa "pelos aviões, pelos recursos humanos, e também a nível de rotas. Há rotas que não são viáveis e que terão de ser revistas".
Sobre a aposta nos EUA, Piedade recorda que "não saberemos quando será possível voltar a voar para os Estados Unidos" e lembra que "a grande aposta da TAP é o Brasil e África, onde existe um grande mercado. Mas tudo depende de como fica a situação económica no pós-Covid. Portanto vai depender muito de como é que o mundo irá ficar".
E mesmo com reestruturação, a recuperação da TAP vai ser muito lenta, como em todo o sector: "vai levar pelo menos dois anos", afirma a académica. "É preciso não esquecer que as pessoas vão ter de ganhar confiança novamente para voar".
"Nada será como dantes"
E quanto ao futuro? Lúcia Piedade não tem dúvidas: "nada será como dantes. A TAP que surgir pós-Covid será uma TAP diferente. E será nisso que a administração terá de apostar, num plano estratégico para os próximos anos".
Para a especialista em viação e gestão de crises, existe a TAP pré-Covid e a TAP pós-Covid: "a TAP como nós a conhecemos neste momento vai ter de deixar de existir. Tem de passar por uma reestruturação senão não se torna viável. Se vamos salvar a TAP, que se faça um plano estratégico que dê sustentabilidade à empresa para que possa continuar a ser a TAP dos portugueses".
Plano que poderá passar, pelo menos temporariamente, por uma diversificação de atividades: "enquanto não houver rotas sustentáveis, até ganhar o mercado anterior, será muito complicado. Portanto a empresa terá de diversificar-se, arranjar novas formas de ganhar dinheiro", explica. A aposta no transporte de carga é um exemplo dessa eventual diversificação.
Na TAP como no país: o peso da dívida
Em 2019, a TAP financiou-se no mercado: conseguiu 575 milhões de euros.
Apesar de nos últimos anos a companhia ter reduzido o peso do endividamento: o rácio de dívida líquida sobre o resultado operacional antes de impostos e custos de reestruturação caiu de 12 para 6,4 vezes. Ao mesmo tempo, a operadora conseguiu, através de várias operações, aumentar a maturidade média da dívida para 4,6 anos.
O endividamento continua, ainda assim, a pesar: Em 2018 (o relatório anual de 2019 ainda não foi publicado), a rubrica de "passivos remunerados" indicava um valor de perto de 600 milhões de euros, havendo ainda, no lado do passivo, um empréstimo obrigacionista de mais de 100 milhões.