A proposta do Governo revela a ausência de medidas robustas para desbloquear o crescimento económico, aumentar a produtividade e dar escala às empresas, num país que precisa de estabilidade fiscal, simplificação administrativa e também de previsibilidade regulatória. É essa a opinião do diretor da Católica Porto Business School, João Pinto, que considera que o diploma podia ter ido mais longe em matéria fiscal
O diretor da Católica Porto Business School considera que Portugal tem um problema crónico no seu tecido económico: empresas muito pequenas. Em entrevista à TSF, João Pinto argumenta que o país precisa de lhes dar escala para poderem concorrer a nível internacional com outros países, afirmando que "contas certas são necessárias, mas não bastam".
Para o professor, Portugal precisa de estabilidade fiscal, simplificação administrativa e também de previsibilidade regulatória, mas acredita que há vontade politica para evoluir e melhorar ao nível da simplificação administrativa. Diz também que aguarda para ver o que pode ser feito.
Numa visão mais global, considera que o Orçamento do Estado para 2026 revela alguns sinais de equilíbrio e aponta como exemplo o crescimento de 2,3% projetado para 2026, o saldo orçamental praticamente nulo, de 0,1% do PIB, e uma redução da dívida pública para 87,8% do PIB. Assegura que, com este cenário, Portugal continua a trilhar um caminho da disciplina orçamental, com reflexos claros no rating da República Portuguesa, o 5.º melhor, segundo a agência de rating Standard & Poor's, o mesmo que Espanha e bem acima de Itália, considerando ser esse um fator positivo.
Realça ainda pela positiva a anunciada abstenção do PS e o reforço da transparência, o aumento do investimento em cerca de 5,5% e os níveis mínimos de 6% de emprego, bem como a modernização do processo orçamental e essa visão de que o Orçamento possa a ser visto como um instrumento de gestão de recursos públicos e não como um instrumento de política.
No entanto, quando analisa o documento, deteta "claramente um conjunto de pontos menos bons, ou mesmo, negativos" centrados em cinco grandes temas. O primeiro é a ausência de medidas estruturais fortes para aumentar a produtividade e a competitividade empresarial. O segundo diz respeito à incerteza sobre estabilidade e previsibilidade fiscal, apontado medidas que estão fora do Orçamento de Estado para 2026, como o IRC, que considera que não é concretizado de forma clara, pela negociação e o articulado terem ficado à parte. Em terceiro, identifica algumas limitações que podem pôr em causa o objetivo do país de não voltar ao déficit orçamental e dá como exemplo a eliminação do SIFIDE indireto (despesas indiretas de investigação) que pode limitar o financiamento da inovação. Como quarto tema, aponta para a continuidade técnica das medidas, sem grande ambição reformista. Como último ponto negativo, a fraqueza das exportações que sublinha ser relevante.
"Estamos a falar de um crescimento de apenas 1,8% em 2026, num momento em que a internacionalização é vital para o nosso crescimento."
Para este catedrático, há mais finanças e menos economia.
"É um Orçamento com ausência de medidas robustas para desbloquear o crescimento económico, aumentar a produtividade e dar escala às empresas. Contas certas são necessárias, mas não bastam."
Reconhece que há vontade política para evoluir e melhorar ao nível da simplificação administrativa, mas prefere aguardar para ver o que pode ser feito. Defende que Portugal precisa de estabilidade fiscal, simplificação administrativa e também de previsibilidade regulatória. Adianta que "são precisas políticas públicas que apostem no talento, na inovação, na sustentabilidade, na internacionalização das empresas, num contexto internacional caracterizado por uma elevada incerteza e fortes tensões geopolíticas, quer a nível comercial, quer militar, pelos conflitos armados que se vivem nos últimos tempos".
Considera que o Governo poderia ter ido mais longe em matéria de fiscalidade para as famílias e para as empresas, mas compreende que o processo orçamental seja construído para evitar o déficit.
"É bom para Portugal se chegar ao final do dia e não ter déficit orçamental. É preciso jogar e ter a capacidade de criar balanços, ou um trade-off, um custo-benefício, quando se trabalham estes temas."
Embora reconheça que, do ponto de vista fiscal, qualquer ajustamento muito brusco pode criar rupturas fortes e, quando se espera um superávit orçamental de 0,1%, "isso é zero e, qualquer coisa que corra mal, podemos ter um déficit orçamental e com isso o aumento da dívida pública. Há que ser muito cuidado na forma como se colocam as coisas, mas, na minha opinião, sim, era possível e devíamos ir mais longe do ponto de vista fiscal".
Olhando para o caso do IRC, recorda que é uma descida gradual da taxa nominal para 19% em 2026, de 18% em 2027 e 17% em 2028, e que se definiu, para pequenas e médias empresas, uma redução da taxa até aos primeiros 50 mil euros de matéria coletável. Uma redução para o próximo ano de 16 para 15%, quando "se sabe que grande parte das empresas que pagam IRC são grandes empresas e essas são cerca de 1% do total de empresas em Portugal".
"Para as restantes, estar a tributar quem faz menos de 50 mil euros, é estar a impedir que essa empresa possa investir mais, possa criar mais emprego. Por isso, aquilo que eu e vários economistas, bem como várias associações empresariais temos defendido é exatamente que podemos ir mais longe do ponto de vista da redução mais rápida do IRC e do benefício para as PME ser mais elevado."
Já a revisão do Imposto sobre o Rendimento, admite que pode ser um beneficio a atualização de escalões do IRS em 3,51% e a descida das taxas de 2.º ao 5.º escalão em 0,3%, mas pouco significativo.
"Se pensarmos, por exemplo, naquilo que é o salário médio, que são, mais ou menos, 1600 euros, e pegarmos nesse valor mensal bruto e se pensarmos numa pessoa solteira, sem dependentes, o que estamos a dizer é que, no final do ano, esta pessoa vai poupar 81,27 euros, mais coisa, menos coisa. É interessante, mas não é um valor de redução muito significativo."
Realça ainda a questão dos prémios de produtividade, que estão isentos de IRS até 6% da retribuição base anual, considerando que "o problema é que estão condicionados a aumentos salariais de pelo menos 4,6%. Há muitas empresas que não vão avançar com aumentos salariais de 4,6%, o que significa que, depois, também não vão conseguir ter este benefício".
Quanto à função pública, o relatório prevê uma atualização com impacto na ordem dos 85 milhões de euros e embora a atualização do salário mínimo seja determinada em sede de Concertação Social, a sua aproximação do salário médio é considerado um dos maiores problemas para João Pinto.
"O salário mínimo tem de ser discutido e indiscutivelmente aumentado, até para que os trabalhadores tenham condições mínimas de vida, mas nós temos um salário médio muito próximo do salário mínimo. Em 2024, em termos médios, o salário bruto em Portugal foi cerca de 1600 euros por mês, o que compara com os 2600 euros em Espanha, os 2800 em Itália e os 3800 em França, para não falar no Luxemburgo ou na Suíça, que são muito mais elevados. Nós temos um problema de salários médios relativamente baixos face a outros países da zona euro e temos um salário mínimo muito próximo do salário médio. Isso cria desequilíbrios económicos muito fortes, cria a incapacidade da nossa população para investir e consumir mais e não alavanca nem o crescimento, nem o desenvolvimento económico."
Defende, por isso, uma ação combinada entre redução de carga fiscal, por um lado, mais assertiva, do ponto de vista de IRS, e menor carga fiscal do ponto de vista de IRC para as empresas, para o país conseguir, no futuro, aumentar de forma significativa o seu salário médio. Alerta, no entanto, que "há um terceiro fator muito relevante e que justifica este salário médio relativamente mais baixo em Portugal: a produtividade".
Quanto à poupança, garante que os portugueses não estão a poupar menos do que estavam a poupar no passado, nem vê que este Orçamento venha criar obstáculos para que a poupança seja canalizada para gerar rendimentos no futuro. Ainda assim, admite que, "se no final do dia, com uma carga fiscal mais baixa, do ponto de vista de IRS, eu tiver maior rendimento líquido, aí a poupança pode ser mais elevada".
No entanto, considera que a revisão dos escalões de IRS ainda não vai estimular, nem ter impacto na poupança. "Os maiores impactos são nos escalões mais baixos e aí muitas pessoas vão usar esse rendimento para poderem consumir mais e terem melhor qualidade de vida."
Questionado sobre se as medidas dedicadas aos jovens, nomeadamente, o apoio que podem acumular no salário com o subsídio de desemprego, o limite de IMT, em alguns casos até isenção, na compra de casa, serão suficientes para reter talento no país, diz ter "um bocadinho de mixed feelings".
Por um lado, considera que são medidas no seguimento do orçamento anterior e que, "de certa forma, são um bom caminho para estimular a retenção do talento em Portugal." Dá o exemplo da escola que dirige, onde "30% dos alunos vão para fora do país, quando terminam os seus estudos, quer a nível da licenciatura, quer do mestrado".
"Por isso, estes benefícios em sede IRS, ao nível da compra da aquisição da habitação própria e permanente, são medidas que promovem a sua retenção. Por outro lado, voltamos ao tema do salário médio em Portugal, que é muito baixo e, por isso, apesar destes benefícios, muitos miúdos portugueses que terminam os seus estudos académicos olham para os ordenados pagos em Portugal e vão continuar a querer ir lá para fora, até porque muitos deles querem ter uma experiência internacional. Se o tema do salário médio não for resolvido, eu diria que estas medidas fiscais, apesar de importantes e bem-vindas, não vão ter o impacto que se desejaria."
Já sobre o IVA, acredita que ao nível do setor da construção uma taxa mais baixa estimula uma maior oferta de habitação e com isso é possível no final do dia limitar o aumento do preço das casas, porque "a única forma de trabalhar e de conseguir limitar o aumento do preço - e até mesmo reduzi-lo - é aumentando a oferta".
"Mas voltamos ao trade-off inicial que eu referi. É preciso jogar com as várias variáveis combinadas para evitar que resultem em déficit, em vez de superávit de 0,1%, sendo o grande objetivo do Governo não aumentar a dívida pública", argumenta.
Na educação, o diretor da Católica Porto Business School não quer falar em causa própria, alegando eventual conflito de interesses, mas, confrontado com o descongelamento de propinas académicas no ensino público que se vão traduzir em aumentos dos encargos das famílias e estudantes, deixa escapar que "nas universidades públicas trata-se de aumento de 697 para 710 euros e tem de se ter em consideração que cada agregado familiar tem a sua capacidade e o seu poder de compra e, como tal, para um aluno com debilidade e com dificuldade económica, no limite, até devia estar isento de pagamento de qualquer propina".
Sobre as medidas estruturais previstas no OE2026, nomeadamente, no que diz respeito ao programa de simplificação, de desburocratização ou de maior estabilidade, o professor considera que é preciso previsibilidade regulatória e que, se essas medidas tivessem sido implementadas há dois ou três anos, acreditava que o PRR ia ser completamente executado, mas, neste momento, "a burocracia que temos, todos os custos de contexto que as empresas têm e que enfrentam, vejo com dificuldades":
"Se olharmos para os grandes projetos que foram sujeitos ao PRR, muitos deles não avançam por falta de licenciamento, ou por falta do aval da agência do ambiente, por isso, há um conjunto de limitações que vão fazer com que os projetos não avancem, quer do lado do setor público, quer do lado do setor privado."
Quanto às grandes obras públicas na ordem do dia, como o TGV, ou o novo aeroporto e obras na atual infraestrutura aeroportuária, considera que são projetos importantes e que Portugal precisa de investir na área de transportes para se ligar mais à Europa, quer por ferrovia, quer por avião. Afirma não ter dúvidas que essas obras têm que avançar, mas também que é preciso investir em áreas fundamentais como a educação e a saúde, numa lógica de parceria pública ou privada.
Confrontado com o aumento do custo de vida, em especial pela subida dos preços dos bens essenciais, recorda que o Governo não tem à sua disposição medidas de política monetária, pois essas são definidas pelo BCE, que, daqui a 12 meses, pode começar a reverter a sua política e a aumentar as taxas de juro e resfriar o consumo.
Quanto à política interna, a única alternativa que resta ao Governo é reduzir a carga fiscal sobre bens e serviços, para que tenham um custo menor e reforça a ideia que "as medidas fiscais que se podem implementar podem ir até ao ponto em que não afetem o objetivo de manter um saldo orçamental positivo, ou pelo menos, nulo".
Por enquanto, acredita que as alterações feitas à proposta inicial do governo para o Orçamento do Estado de 2026, face àquilo que já se conhece, deixam antever que o diploma vai ser aprovado, "caso contrário, cairiam por terra todos os objetivos de aumento do investimento público e privado e o país, acima de tudo, precisa de estabilidade política e de previsibilidade".