Política

Ilegalização do Chega seria "contraproducente": discurso de ódio "cabe" dentro da liberdade de expressão

Miguel A. Lopes/Lusa

No programa da TSF/CNN Portugal "O Princípio da Incerteza", Alexandra Leitão afirma que a "grande vitória do Chega" está no "apoderamento" do Governo dos ideais "nacionalistas e ultra identitárias" que o partido liderado por André Ventura defende. Já Pedro Duarte sublinha que considerar a imigração ou a nacionalidade como um tema do Chega é um "erro crasso"

A criação de um movimento pela ilegalização do Chega seria "contraproducente" e "a pior maneira" de combater posicionamentos mais extremados, já que o "discurso de ódio cabe dentro do direito da liberdade de expressão".

Estas foram as premissas defendidas no programa da TSF/CNN Portugal "O Princípio da Incerteza", depois de o advogado António Garcia Pereira ter revelado apresentar uma queixa ao procurador-geral da República para que o Ministério Público acione os mecanismos legais que levam extinção do partido Chega, devido à adoção de "práticas reiteradamente fascistas". Em causa estão, entre outros, os cartazes referentes à candidatura de André Ventura à Presidência da República, onde se lê "Isto não é o Bangladesh" ou "Os ciganos têm de cumprir a lei".

A socialista Alexandra Leitão defende desde logo que, neste momento, ilegalizar o Chega "seria contraproducente politicamente", sublinhando que essa ação teria sido "interessante" aquando a criação do partido, que foi também nessa altura alvo de queixa.

"Já houve uma decisão sobre o programa do Chega e é através do programa que se ilegaliza ou não um partido. Neste momento, acho que isso seria contraproducente do ponto de vista político e é essencialmente no plano político que esta questão se deve colocar e não no plano jurídico", entende.

Quanto aos cartazes, Alexandra Leitão recusa contribuir "para esse peditório" e destaca que cabe ao Ministério Público "verificar oficiosamente" o crime que pode estar em causa. O artigo 240 do Código Penal, lembra, tipifica os crimes de discriminação e incitamento ao ódio e à violência, punindo quem, através de meios de divulgação pública, incite ou provoque violência, difamação, injúria ou ameaça contra pessoas ou grupos, com base na sua raça, cor, origem étnica ou nacional, religião, sexo, orientação sexual ou deficiência. A pena prevista é de prisão de seis meses a cinco anos.

Afirma ainda que a "grande vitória do Chega" está no "apoderamento" do Governo dos ideais "nacionalistas e ultra identitárias" que o partido liderado por André Ventura defende.

Na mesma linha, José Pacheco Pereira adianta que, de uma forma ideal, o "discurso de ódio cabe dentro do direito da liberdade de expressão", até porque a democracia tem "de viver e conviver" com este tipo de discursos.

"É um pouco uma interpretação parecida com o que existe na primeira emenda nos Estados Unidos. Ou seja, devia haver uma enorme liberdade e essa liberdade inclui necessariamente mecanismos que nós hoje associamos ao discurso de ódio. A ideia de criminalizar o discurso de ódio - que existe em Portugal, eu não tenho dúvida sobre isso - é perniciosa para o conjunto da democracia", argumenta.

Apesar de "não gostar" e até detestar e combater" as ideias instituídas nos cartazes divulgados, Pacheco Pereira "defende o direito de o Chega fazer aquilo" e coloca a tónica noutra perspetiva.

"Por que é que eles [os discurso de ódio] são eficazes?", questiona.

Já o presidente da Câmara Municipal do Porto, Pedro Duarte, ressalva que "não podia estar mais longe daquela forma de fazer política", confessando que considera "particularmente repugnante aqueles cartazes". Ainda assim, acrescenta, "não deve ser assumida qualquer posição do ponto de vista judicial ou de natureza similar para impedir que a livre expressão política seja uma realidade" em Portugal.

"Se queremos combater aquele tipo de posicionamentos, como é o meu caso, a pior maneira para o fazer seria por essa via [da ilegalização]", argumenta.

Pedro Duarte sustenta ainda que ser tolerante com posições em que se revê "é muito fácil", mas a verdadeira tolerância é posta à prova em circunstâncias "particularmente repugnantes como é este o caso" e a adoção de uma postura "democrata" é aquilo que distingue "de algumas dessas pessoas".

"Isto vale evidentemente para a ilegalização do partido. Acho que isso seria manifestamente desadequado a todos os níveis - jurídico, constitucional, mas principalmente do ponto de vista político, porque não se decreta o fim do movimento sociopolítico. Pelo menos em democracias não é assim que se combatem essas forças", vinca.

Quanto à acusação de Alexandra Leitão, aponta que afirmar que a imigração ou a nacionalidade é um tema do Chega é um "erro crasso", que prova que o PS está "muito longe da realidade do país".

"É de quem não anda pelo país, não fala com os portugueses e não percebe qual é a sua realidade no seu dia a dia. É um tema do país hoje em dia. Com uma alteração socio-demográfica desta natureza, é natural que isso passa a ser um tema. E eu espero que não seja um tema visto como um problema só por si. A imigração trouxe-nos benefícios gigantescos nos últimos anos. Que fique claro: nós precisamos de imigrantes. Mas também há o outro lado da medalha, quando há uma alteração demográfica desta natureza", atira.

Completa ainda que o país enfrenta novos desafios e assegura que a "tentativa de encontrar resposta" para este problema não é ir atrás da agenda de um partido.

"É um erro de quem está fechado numa bolha mediática à volta de conceitos e valores políticos com que se calhar podemos todos discutir de forma muito intensa e muito apaixonada, mas que não tem que ver com a realidade da vida e do dia a dia da nossa sociedade", insiste.

Cláudia Alves Mendes