Sociedade

Sócrates acusa tribunal de ofender "dignidade profissional" de advogado. Juíza quis "construir títulos para jornais"

Mário Vasa/Global Imagens (arquivo)

José Socrates contesta a decisão da juíza Susana Seca de continuar com o julgamento, apesar de o advogado oficioso ter pedido tempo para se inteirar do processo, acusando-a de considerar o direito da defesa "irrelevante"

O antigo primeiro-ministro José Sócrates saiu esta terça-feira em defesa do seu advogado Pedro Delille, afirmando que o mesmo renunciou ao mandato por ver a sua "dignidade" posta em causa pelo Tribunal Central Criminal de Lisboa, no âmbito do julgamento da Operação Marquês.

"Lamento muito o ponto a que chegamos. O tribunal desenvolveu tamanha hostilidade à minha defesa e ao meu advogado que ele achou que tinha chegado a um ponto em que isso ofendia a sua dignidade profissional e a sua capacidade para desenvolver a minha defesa", atira.

José Sócrates, que revela que Pedro Delille lhe comunicou a decisão de renunciar o mandato na segunda-feira, diz compreender "muito bem" a decisão tomada.

Acusa, por isso, a juíza de "destratar" Pedro Delille, por considerar que este estava a "incitar uma qualquer espécie de brincadeira" a propósito do depoimento da mãe de Sócrates.

O ex-chefe de Governo explica que foi o médico que recomendou a que a sua mãe, de 94 anos, não comparecesse no julgamento para depor, por considerar que esta não tem "condições de saúde" para prestar este tipo de esclarecimentos. Alega, por isso, que pensou ser "suficiente" comunicar esta mesma informação ao tribunal.

No entanto, afirma que este foi o pretexto para que a juíza achasse que "havia uma qualquer espécie de conspiração para interromper as atividades do tribunal".

"[A juíza] equivocou-se e mal tratou as pessoas sem nenhuma razão", denuncia, insistindo que Pedro Delille sentiu que as declarações da juíza foram "para lá do limite do aceitável".

O antigo chefe do Executivo contesta, por isso, a decisão da juíza continuar com o julgamento, apesar de o advogado oficioso ter pedido tempo para se inteirar do processo.

"A reação do tribunal diz tudo. O tribunal achou que devia continuar, sem que nada acontecesse. E, para isso, nomeou um defensor oficioso, apesar de o defensor oficioso dizer 'Eu não estou a par do processo. Preciso de pelo menos 48 horas'. Mas a senhora juíza achou que não, porque, para a senhora juíza, o direito da defesa é irrelevante, não conta", dispara.

Já quanto questionado se teme que esta decisão possa prejudicar a sua defesa, sublinha que o "tribunal tem o que quer", uma vez que a juíza presidente "achou que devia construir um título para os jornais com o 'acabou a brincadeira'". E acrescenta que esta foi só "a gota de água", não tendo sido esta a primeira vez que situações deste tipo terão ocorrido.

Lamenta ainda que a presidente do coletivo de juízes, Susana Seca, lhe tenha "imposto" um advogado que não queria.

Para representar o ex-governante foi nomeado o advogado oficioso José Ramos, que, na sua primeira intervenção na audiência desta terça-feira, pediu 48 horas para consultar o processo. O requerimento foi, contudo, rejeitado pela presidente do coletivo de juízes, com o argumento de que a Operação Marquês é um processo urgente e de que o prazo seria "manifestamente insuficiente" para ficar a conhecer os autos.

Em causa está o atraso de Pedro Delille na quinta-feira, que terá presumido que a sessão iria começar mais tarde do que o agendado, tendo José Sócrates sido representado, durante cerca de meia hora, por uma advogada oficiosa na audiência. Para as 09h30 desta quinta-feira estava marcada a inquirição, enquanto testemunha, da mãe do antigo primeiro-ministro, que não compareceu, depois de, na quarta-feira à tarde, Pedro Delille ter apresentado um atestado médico no qual é referido que o estado de saúde da idosa, de 94 anos, não permite que esta se desloque a tribunal.

Segundo a presidente do coletivo de juízes, Susana Seca, o advogado justificou por telefone que estava atrasado porque presumiu que, face à apresentação do atestado, a sessão iria começar mais tarde.

Já no julgamento, o causídico tentou explicar o atraso ao tribunal e apresentar um protesto, tendo sido impedido de o fazer pela magistrada.

"Não me vai ralhar", retorquiu Pedro Delille, com a juíza a ripostar que "acabou a brincadeira".

Estas ações terão, então, motivado a renúncia do advogado ao mandato de defensor do antigo primeiro-ministro no julgamento da Operação Marquês.

Nem Pedro Delille nem José Sócrates compareceram esta terça-feira no Campus de Justiça de Lisboa, onde está instalado o Tribunal Central Criminal de Lisboa.

A sessão decorre com a audição de testemunhas.

José Sócrates, de 68 anos, está pronunciado (acusado após instrução) de 22 crimes, incluindo três de corrupção, por ter, alegadamente, recebido dinheiro para beneficiar em dossiês distintos o grupo Lena, o Grupo Espírito Santo (GES) e o 'resort' algarvio de Vale do Lobo.

No total, o processo conta com 21 arguidos, que têm, em geral, negado a prática dos 117 crimes económico-financeiros que lhe são imputados.

O julgamento decorre desde 3 de julho e tem sessões agendadas pelo menos até 18 de dezembro de 2025.

Cláudia Alves Mendes