Mundo

Inteligência Artificial: "Há um perigo real para o modelo de governação democrática"

PSD

Eurodeputado alerta que ameaça da IA à democracia "já está a acontecer" e cita como exemplo a ingerência tecnológica russa nas eleições na Roménia

O eurodeputado social-democrata Paulo Cunha defende que os criadores de algoritmos e as grandes empresas tecnológicas não podem ficar à margem do processo de regulação da Inteligência Artificial (IA) na União Europeia. E defende que os programadores, inventores e inovadores devem ser parte ativa na construção do enquadramento jurídico europeu.

"Nós precisamos que o inovador, quem teve a ideia, quem tem a capacidade tecnológica, informática, de criar essas ferramentas, nos ajude a criar uma ferramenta para responsabilizar quem usa essa ferramenta de uma forma indevida", adianta, em entrevista ao programa Fontes Europeias, da TSF.

Paulo Cunha foi recentemente nomeado relator do Parlamento Europeu para a Convenção Internacional sobre IA, Direitos Humanos, Democracia e Estado de Direito. Trata-se de um instrumento jurídico promovido pelo Conselho da Europa, com a participação da União Europeia, dos Estados Unidos, do Japão e do Canadá.

O eurodeputado social-democrata afirma que o objetivo é "assegurar que a inteligência artificial serve as pessoas e não o contrário". Para tal, considera essencial estabelecer pontes entre legisladores e criadores tecnológicos, de modo a reduzir a distância entre a inovação e a regulação.

Neste momento, destaca, há uma verdadeira assimetria: "De um lado temos alguém com competências e capacidades muito acima daquilo que tínhamos no passado, mas do lado do regulador temos as mesmas competências que tínhamos há uns anos."

Paulo Cunha considera que é necessário garantir que os legisladores tenham acesso às ferramentas necessárias "para fixar as regras", defendendo uma cooperação permanente entre quem desenvolve a tecnologia e quem legisla sobre ela.

No entanto, o eurodeputado admite que é um processo difícil que exigirá "cooperação dos autores, dos criadores e dos inventores" com o Parlamento Europeu. "Vamos convocar esses players para nos ajudarem do lado do regulador, porque só dessa forma é que conseguiremos acompanhar o ritmo do desenvolvimento tecnológico", sublinha.

Portugal

Questionado sobre o papel que Portugal pode desempenhar neste novo enquadramento, o relator responde sem hesitação: "Portugal tem uma palavra a dizer nesta matéria."

"Nós temos dado evidência de termos entre nós pessoas muito capazes, muito competentes, muito qualificadas, e queremos que os criadores portugueses nos ajudem a criar este equilíbrio", garante.

O eurodeputado considera que o país pode contribuir com inovação, investigação e talento técnico, ajudando a União Europeia a liderar um modelo de desenvolvimento tecnológico baseado na ética e nos direitos humanos.

difícil conseguir um equilíbrio entre o desenvolvimento da tecnologia e a proteção do ser humano, mas o Parlamento Europeu não deixará de o fazer", assevera.

Democracia

Paulo Cunha avisa que as ameaças colocadas pela IA já são reais e as consequências da sua utilização não são meramente hipotéticas. "Não vai acontecer, está a acontecer", enfatiza, lembrando que "num país da União Europeia, numa democracia europeia, na Roménia, houve uma eleição que foi anulada pelo Tribunal Constitucional por ingerência russa nesse processo eleitoral".

Na sua opinião, este caso deve servir de aviso, considerando que "as ingerências democráticas, as interferências ilegítimas e externas, são fonte de preocupação para as democracias. O modelo de governação democrático está em causa, está em perigo, e a fonte desse perigo é uma ferramenta chamada inteligência artificial", declara.

O eurodeputado reconhece que a utilização indevida da IA pode servir como um instrumento de manipulação política e eleitoral, através da difusão de desinformação, de mensagens direcionadas ou de falsificações conhecidas como deepfakes e que nenhum país está imune. "Pode acontecer na Roménia, na Polónia, na Alemanha, pode acontecer em Portugal, numa próxima eleição autárquica, nas legislativas ou nas presidenciais", adverte.

Equilíbrio

Para o eurodeputado, a IA deve ser "criada com o único propósito de servir as pessoas e não de substituir as pessoas". O perigo, alerta, está em permitir que o desenvolvimento "desenfreado" da tecnologia conduza à desproteção do indivíduo e à perda de controlo humano sobre decisões críticas.

Dando como exemplo "a televisão", Paulo Cunha lembra que, no passado, com criações tecnológicas, "houve um momento em que foi preciso regular". Isso permitiu "definir como filtrar conteúdos, gerir a publicidade, os horários e a informação ao consumidor", conta o eurodeputado, considerando que o mundo vive agora um "momento equivalente com a inteligência artificial: uma fase de explosão, que obriga a estabelecer novas regras".

Responsabilização

Paulo Cunha acredita ser "necessário e inevitável" que existam mecanismos de auditoria, transparência e identificação das fontes usadas pelos sistemas de IA, de forma a combater a desinformação e os riscos associados às fake news.

"A questão da responsabilização é um aspeto central", refere, acrescentando que, também nesta área, "os autores e os atores desta operação nos poderão ajudar a criar as ferramentas necessárias para controlar, sindicar e responsabilizar quem a usa com intenções que não são dignas".

O eurodeputado aponta que o momento atual é o mais adequado para avançar com a regulação europeia, visto que o mundo atravessa "uma fase madura do desenvolvimento da inteligência artificial".

"É agora que podemos intervir sem travar o progresso, garantindo que ele ocorre com respeito pelos direitos fundamentais, pela democracia e pelo Estado de Direito", argumenta.

"É sempre difícil definir o timing para a regulação. Se for cedo demais, vai obstaculizar o desenvolvimento e estancar o progresso. Se for tarde demais, deixa-nos vulneráveis", completa.

Literacia

O eurodeputado defendeu ainda que a regulação, por si só, não resolverá todos os problemas, sendo necessário um maior envolvimento dos cidadãos, para promover uma maior literacia digital e cívica. "Às vezes olhamos para o legislador como uma panaceia. Mas há défices de informação, de conhecimento e de capacitação dos cidadãos", ressalva.

"Tal como quando atravessamos uma passadeira temos de adotar comportamentos adequados, também na Internet é preciso saber usar as ferramentas com segurança", sustenta Paulo Cunha, que entende ainda que a utilização segura da IA exige comportamentos conscientes e cautelosos por parte dos utilizadores.

Redação