Sociedade

Na cadeia "onde tudo é triste", é o teatro quem dá voz aos "invisíveis" e faz sorrir mesmo quando "não há vontade"

Paulo Spranger/Global Imagens (arquivo)

André é um dos reclusos que participa há nove meses nesta iniciativa, que já lhe deu um sonho e um objetivo a atingir quando cumprir a pena: frequentar um curso de teatro e um dia contracenar com o ator Fernando Mendes. "Pode ser que um dia esteja ao lado dele a fazer uma peça de teatro"

As vozes fazem eco na sala e a acústica não é a melhor para apresentar uma peça de teatro. Mas é aqui que o grupo tem possibilidade de ensaiar e apresentar o seu trabalho. Em colaboração com o Teatro das Figuras, o Teatro Municipal de Faro e quatro reclusos do estabelecimento prisional têm feito parte do projeto "Os Invisíveis". Patrícia Amaral ou simplesmente Tixa, como lhe chamam os reclusos, é a mediadora cultural e coordenadora da iniciativa que vai durar três anos, com o financiamento do programa Portugal 2030. O objetivo é dar visibilidade a quem habitualmente não a tem na sociedade.

Desta vez, os "invisíveis" foram os reclusos, mas, para o ano, o trabalho será feito junto dos imigrantes e, em 2027, com os idosos em situação de isolamento.

Nos últimos nove meses, Patrícia atravessou os muros da prisão todas as semanas. Ao início, foi preciso ganhar a confiança e estabelecer laços de proximidade. "Nos primeiros meses fazíamos mais jogos e falávamos", conta Henrique, um dos reclusos. Só nos últimos meses começaram a pensar na peça que queriam apresentar. A mediadora cultural ofereceu-lhes cadernos e canetas e pediu-lhes para pensarem em histórias que pudessem passar para o papel e depois representar. "Tinham trabalhos de casa", diz a sorrir.

Puseram a imaginação a funcionar e o resultado foram algumas histórias que retratam o quotidiano da cadeia, incluindo os conflitos sempre presentes num estabelecimento prisional. Outras, são uma tentativa de evasão da realidade. Como aquela onde os quatro vão num voo, numa companhia aérea que obedece aos seus desejos e os leva para onde quiserem. A personagem de André, outro recluso, diz que só quer ir para casa. "Céu azul, janelas abertas, frigorífico e, o mais importante, liberdade", declama ele, seguindo o texto.

"Fazer teatro é como um momento em que estamos fora daqui", explica Diogo, outro dos detidos que participa nesta iniciativa. "Levámos tudo na brincadeira, mas, no fundo, é triste, porque tudo na cadeia é triste", lamenta Henrique. "A palavra-chave é evasão. Só [o facto de] estarem fora das celas e de toda a dinâmica prisional já é muito importante para eles", garante Patrícia.

Para Vilmontes, o quarto recluso, estar com a mediadora Patrícia Amaral valeu os muitos meses em que se entregou ao trabalho. "Ela é como uma psicóloga. A gente sorri mesmo quando não tem vontade", assegura.

O diretor do estabelecimento prisional de Faro, José Pedreira, sublinha que a instituição está sempre aberta a estes projetos culturais e confessa que gostava que a colaboração com o Teatro Municipal se mantivesse. As atividades feitas num estabelecimento prisional, defende, são importantes para uma futura reinserção das pessoas que estão detidas e também para a dissuasão de conflitos e para a criação de bom ambiente dentro daqueles muros.

Depois de ter participado todos estes meses na iniciativa, André tem um sonho e um objetivo quando sair dali: frequentar um curso de teatro e um dia contracenar com o ator Fernando Mendes. "Pode ser que um dia esteja ao lado dele a fazer uma peça de teatro", expõe.

Maria Augusta Casaca