Opinião

Ir à ilha. E depois sair dela

O isolamento e a distância numa ilha podem ser o caminho para a interioridade e para a descoberta do tempo necessário a cada pequena coisa. A música com que Yann Tiersen hoje sobe ao palco do Coliseu do Porto é o resultado da experimentação proporcionada pela vida numa ilha com menos de mil habitantes, na Bretanha. Se por um lado há algum peso no silêncio e na solidão, o artista explica que tudo no território que escolheu "permanece ligado e humano". E procura levar para os palcos essa ideia de proximidade e até intimidade que contrasta com a de um ambiente digital que é, cada vez mais, um terreno minado.

OUÇA AQUI A OPINIÃO DE INÊS CARDOSO

O espetáculo que agora apresenta em Portugal tem duas sonoridades completamente distintas. Abre introspetivo, como quando se procura interpretar cada recado do vento na ilha, e termina agitado, eletrónico e militante. Como se depois de nos confrontarmos com os nossos fantasmas internos fôssemos obrigados a libertar-nos.

A música, como todas as outras expressões culturais, é uma tentativa de ler o mundo, mas é também uma forma de subversão. Yann Tiersen não gosta de público sentado e quer que o corpo se liberte ao som da sua música. Só assim o ritmo pode ser uma forma coletiva de encontrar sentido e um combustível para a luta.

Nem sempre, atropelados pela pressa e pelo ruído, conseguimos ir à ilha metafórica de que todos precisamos. É absolutamente necessária a introspeção, o silêncio, a capacidade de ouvir o que cabe fora das palavras. Mas depois é preciso sair da ilha e decidir ativamente o que queremos construir. A contemplação que se habituasse ao ócio seria vazia. O movimento que nos vira de dentro para fora, que nos abre os braços para o mundo e nos inspira a agir, é música genuína.

Inês Cardoso