«Manoel de Oliveira era o Deus e o Diabo. Como todos os grandes artistas, tinha o seu lado diabólico e monstruoso. Sem essas qualidades, não se consegue ser um génio». A frase é de Paulo Branco, produtor de cinema, que trabalhou com o realizador que morreu hoje aos 106 anos.
«Mal-amado durante muito tempo», Manoel de Oliveira, diz Paulo Branco, conseguiu ver reconhecido o seu trabalho ainda em vida.
«O trabalho dele por vezes estava de tal maneira à frente, que suscitava grandes incompreensões», mas, diz o produtor, «teve a sorte de ter vivido o suficiente para ser reconhecido ainda em vida».
«De maneira nenhuma a vida foi ingrata com Manoel de Oliveira», analisa Paulo Branco, que trabalhou com o cineasta português e lembra o facto de ter havido «um período durante muitos anos em que ele tinha muitos anticorpos».
Manoel de Oliveira «era um artesão do cinema, a obra era exclusivamente só dele» e, «a uma certa altura, o próprio país começou a amá-lo».
O ator e encenador António Fonseca, num testemunho emocionado, sublinha que Manoel de Oliveira tinha sempre «um rigor enorme».
Ele «queria que fizessem exatamente assim os gestos e os atores não gostam muito disso, porque acham que isso quebra espontaneidade», mas acrescenta António Fonseca, «esse rigor só prova o conhecimento fantástico que ele tinha da própria linguagem que estava a trabalhar».
O jovem realizador Gonçalo Tocha, ouvido na emissão especial da TSF, dizia-se «triste», mas ao mesmo sublinhava que «quando se morre aos 106 anos a fazer cinema», a marca fica para sempre: «Nunca nos vai deixar o mestre do cinema que ensina que parar é morrer. A vida só acaba no último fôlego e até lá tudo é vida, tudo é cinema, tudo existe».
Para o crítico de cinema Rui Pedro Tendinha, «o desaparecimento de Manoel de Oliveira está a fazer com que haja uma nova geração de jovens que vão querer descobrir» a obra do cineasta.
«Sempre se falou tanto de Oliveira e sempre se viu tão pouco de Oliveira», faz notar Tendinha, considerando que agora o desafio é que «se consiga tornar acessível a toda a gente».
«É possível que as pessoas comecem a olhar para os filmes doutra maneira, até um pouco esquecidas desse lado às vezes um pouco anedótico da idade dele», acrescenta Pedro Mexia.
O escritor e antigo diretor da Cinemateca frisa que Oliveira «foi um dos artistas portugueses alvo de mais clichés e de preconceitos, geralmente vindos de pessoas que não viram os filmes ou viram na televisão, que não é a maneira ideal de os ver». Mas Mexia acredita que agora «pode ser que tenham mais disponibilidade mental para ver a obra, desligados desse tipo de comentários mais triviais que ela sempre suscitou».
Numa nota enviada à imprensa, o realizador Miguel Gomes reage sublinhando o «génio e a tenacidade» do «mestre» Oliveira: «A sua longevidade fascinava-nos a todos mas não nos deve impedir de reconhecer neste momento a verdadeira singularidade, aquela que poderemos reencontrar nos seus filmes. Aí foi sempre fiel a pulsões e obsessões. Foi acrónica e gloriosamente romântico, pudicamente perverso, alternou candura e ironia até ficarmos sem conseguir distinguir uma e outra».