Artes

Na Ribeira é como se ainda por lá andasse Manoel de Oliveira

Manoel de Oliveira na Ribeira do Porto Global Imagens/Lucília Monteiro

A Ribeira do Porto é um dos locais que mais associamos à obra de Manoel de Oliveira. E uma visita prova isso mesmo: que a marca do realizador perdura, mesmo que os filmes que lá tiveram cenário ainda sejam do "preto e branco".

Na Ribeira, junto ao Douro, há apelos ao embarque dos turistas que passam: «Boat! Bateau! Barco!», apregoa um homem. Ancorados já não estão os rabelos de "Douro, faina fluvial" ou de "Aniki-BóBó". Mas na ribeira há quem não apague da memória essas imagens, sobretudo as do filme dos miúdos.

Laura Pinto, nada e criada ali, não se cansa de o rever: «Lembro-me da Teresinha, da bonequinha que caiu do telhado, deles todos andarem a jogar à bola. Traz-me saudades da Ribeira antiga. Agora é tudo moderno».

Laura tem uma banca de panos e bordados que gemina com a de Rita Bastos. A amiga, também da Ribeira e outra imensa simpatizante de "Aniki-BóBó", vai por outro lado. Elogia Manoel de Oliveira por ter trabalhado até ao fim. Vê nisso quase um manifesto: «Hoje querem arrumar com as pessoas, e portanto ele faz lembrar as pessoas precisamente para não serem arrumadas. Ele é um exemplo das pessoas mais idosas».

Rita diz que onde Oliveira foi várias vezes é um restaurante ali ao fundo da rua: «Ele até esteve na inauguração. É o "D. António"». É o "D.Tonho", onde José Pereira, um dos donos, guarda a dedicatória que o cineasta lá deixou: «Ao Zé e ao Rui, parabéns pelo excelente restaurante, pela comida, pela empatia e amizade. Um abraço do Manoel de Oliveira.

Mas há outras memórias de Oliveira que José Pereira tem no "arquivo". Por exemplo, a de certa vez, não vai há muito, em que alguém com agenda política lhe perguntou a se daí a dois anos estaria disponível para ser alvo de uma grande festa de aniversário, coisa mesmo rija, na Avenida dos Aliados.

«E ele, com uma lucidez incrível, disse "Pois, mas o meu problema é que não posso já dizer-lhe que sim. Ainda vou fazer um filme, depois tenho coisas, vou estar fora uns tempos". Isto de um homem com 103 anos! Ele não punha na agenda a hipótese de morte. De morte? Nem de ficar doente! ».

O episódio já é de uma das últimas visitas de Oliveira. Noutras, mais recuadas, mas já instalado nos noventa de vida, ainda era "moço" para dar uma perna no bailarico, conta José Pereira: «Uma vez, integrado numa semana gastronómica, tivemos aqui um rancho que a certa altura ia buscar as pessoas para dançar. E o Oliveira lá foi. E dançou quase meia hora!».

E de apetite, como era Manoel de Oliveira?: «Comia bem, bem mesmo. E também bebia bem! (risos)». Também à mesa, foi uma vida cheia.