Moliceiros de Aveiro: UNESCO impede "perda de património cultural" ao "atrair atenção" para arte esquecida

Maria João Gala (arquivo)
A TSF falou com o presidente da Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro. Jorge Almeida garante que a arte dos barcos moliceiros tem agora "mais reconhecimento". Também Marco Silva, mestre da carpintaria naval, explica à TSF que, se nada fosse feito, "daqui a 20 ou 30 anos a construção naval estaria esquecida"
Há muito tempo que os barcos moliceiros são uma das atrações turísticas mais procuradas no distrito de Aveiro. Trata-se de uma arte antiga que agora se encontra protegida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. A arte da carpintaria naval da região de Aveiro, na qual se inserem os barcos moliceiros, está inscrita na lista de património imaterial em necessidade de salvaguarda urgente da UNESCO.
A decisão foi tomada esta terça-feira, em Nova Deli, na Índia, onde se encontra Jorge Almeida, o presidente da Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro. Em declarações à TSF, confessa que ficou "indiscutivelmente muito feliz", uma vez que "a preservação da técnica [de construção dos barcos moliceiros] precisa dessa salvaguarda". Isto, porque Jorge Almeida acredita que há "cada vez mais dificuldade em fazer com que os jovens assumam as práticas desta arte".
"Que não se deixe perder no tempo um património cultural como este - os moliceiros", apela.
Para Jorge Almeida, esta inscrição na lista de salvaguarda urgente da UNESCO traz a convicção de que "será mais fácil atrair a atenção sobre este tipo de embarcações". Ainda assim, e não estando assegurado que se consiga preservar a arte dos moliceiros, o presidente da Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro reitera que agora há "mais garantias de apoio e reconhecimento", tanto a nível nacional como internacional.
Também Marco Silva conhece a história dos moliceiros como ninguém. É mestre de construção naval e trabalha com estes barcos há cerca de 20 anos. Explica à TSF que o processo de construção começa com a escolha "das árvores e dos troncos que são precisos para o esqueleto". O passo seguinte é ter as "tábuas cortadas à medida", todas de pinho manso e bravo por ser um material "mais fácil de trabalhar" com as mãos. Cada moliceiro demora "entre dois e quatro meses a ser construído", esclarece.
Já em pequeno gostava de "fazer barquinhos, prontos para brincar". Mais tarde, Marco Silva começou por construir o seu próprio moliceiro "para participar nas regatas regionais". Seguiram-se reparações a outros barcos, algumas construções e assim começou a paixão que "perdura até aos dias de hoje", lembra.
Marco Silva acredita que "há poucos jovens" na área da construção naval por não ter "muita saída para o mercado de trabalho". O mestre defende que se trata de um "trabalho duro" onde só há interesse por parte de "jovens que gostem mesmo de construir barcos".
Para Marco Silva, a recente presença da arte da carpintaria naval na lista de salvaguarda urgente da UNESCO impede que estes trabalhos "deixem de ter continuidade ao longo do tempo". Afirma que, sem esta iniciativa, "daqui a 20 ou 30 anos a construção naval estaria esquecida, não se saberia como se constrói um barco moliceiro".
Por enquanto, muitos barcos moliceiros continuam a navegar na ria de Aveiro.