Abraham Marcus, o "criativo" portista que mostrou muito mais do que talento desde o primeiro jogo
O internacional nigeriano estreou-se ao serviço da equipa principal do FC Porto. Um jogador que marcou a carreira do técnico Filipe Rocha.
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Na descrição que faz sobre o seu antigo jogador, Filipe Rocha, "Filó", faz um ponto prévio. Um parêntese para uma história em que revela que, além de apreciar o talento do jogador, o técnico também admira Abraham Marcus como homem. O dia da estreia a marcar pelo Feirense do nigeriano ficou na memória.
"Ele entrou contra o Estoril num dia em que, soubemos, havia um conflito na Nigéria. Antes desse jogo, de manhã, o Marcus disse-me que o pai estava no hospital. Entrou no jogo quando faltavam 15 minutos para terminar. Entrou e marcou um golo de cabeça. Colocou a cabeça onde muitos jogadores não põem o pé. Depois apontou para o céu. Quando chegamos a Santa Maria da Feira, depois do jogo, o Marcus disse-me que o pai dele tinha falecido. Acabei por descobrir que ele já sabia antes do jogo. Perguntei-lhe se queria ir à Nigéria e ele disse-me que não, queria ficar com a equipa, porque queria ser jogador de futebol."
O episódio, assenta o treinador, "demonstra o caráter" de Marcus. "Muitas vezes falamos das questões técnicas e físicas, mas esta é uma demonstração brutal da mentalidade, da ambição do jogador", completa Filipe Rocha.
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Abraham Marcus somou os primeiros minutos na equipa de Sérgio Conceição aos 23 anos e já depois de ter estado na seleção nacional da Nigéria. "Disse-lhe que havia de chegar a altura e o tempo dele. O primeiro em que entrou é, para mim, algo incrível. Tenho muito carinho por ele, é um bom miúdo, humilde, trabalhador, com capacidade para ouvir". Característica rara nos jovens futebolistas que encontra no caminho, explica Filipe Rocha. Essa capacidade para escutar vale ouro, garante o antigo treinador de Feirense ou Penafiel.
"No Feirense apostamos no Marcus porque ele nos foi dando boas respostas nos treinos, apesar de termos, na altura, uma equipa muito experiente." Com o passar do tempo, "a dinâmica da equipa ajudava-o a destacar-se. No primeiro ano da Segunda Liga levou para casa uns cinco ou seis prémios de melhor em campo. Fez golos que deram vitórias e por isso, se o Feirense andou na luta pelos lugares de subida, também foi pela ajuda dele."
Só que o percurso de um jogador jovem nem sempre é linear. "Foi para o Portimonense, mas não conseguiu ter oportunidades na primeira equipa, fruto da qualidade do plantel - tinham jogadores de grande nível dessa posição. Foi para a equipa B do Porto e voltou a demonstrar as suas capacidades."
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Filipe Rocha não perdeu o contacto com Abraham Marcus. "Ainda há pouco tempo falei com ele e sei que esteve lesionado. Nos últimos jogos conseguiu ter um bom rendimento e acabou por ter uma recompensa. É um jogador com muito potencial, que já foi chamado à seleção AA da Nigéria".
O registo desta temporada mostra que Abraham voltou a encontrar o caminho dos golos na Segunda Liga: leva oito em 23 jogos. E vale a pena espreitar alguns deles, lembra Filipe Rocha. Finalizações que não são, de modo geral, simples.
"É um jogador que joga nas quatro posições da frente. Por incrível que pareça, pode jogar tanto a extremo direito, como a extremo esquerdo, a 10 ou como ponta de lança", explica o treinador.
"Liberta toda a criatividade que tem quando percebe que já tem um papel importante no grupo. Para além de respeitar os movimentos da equipa, também acrescenta, nos pormenores, muita qualidade como jogador do último terço. Tem criatividade, faz golos, mas também é muito bom a assistir. Um jogador, para jogar no último terço no FC Porto, tem de ter uma capacidade muito acima da média. Mas eu acho que o Marcus tem essa qualidade."
A criatividade também se trabalha, ou, melhor, também se procura construir. "Quando íamos para estágio, ele ia a ver vídeos de fintas dos grandes jogadores do mundo. Era ali que ele se entretinha. Não estava a ver filmes, séries, jogos. Ele ia a ver coisas para aprender e para, depois, tentar levar algumas dessas coisas para o jogo dele, para a forma de jogar", completa.
"Sempre lhe disse que ele tinha capacidade para jogar numa equipa grande. Eu vi o bocadinho que ele jogou, o Marcus estava com a ideia de fazer um golo, ele procurou essa oportunidade para o fazer."