Tráfico de pessoas no futebol: "É um negócio que está aqui por trás, alguém que quer lucrar com o sonho de outrem"
Manuel Albano, Relator Nacional de Tráfico de Seres Humanos, alerta para a dificuldade de provar estes crimes em todo o mundo.
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Apesar de defender que ainda é cedo para comentar o caso da academia de futebol de Riba d'Ave, que foi alvo de buscas por suspeita de tráfico de pessoas, o Relator Nacional de Tráfico de Seres Humanos, Manuel Albano, lamenta que este seja um cenário vivido em todo o mundo e que haja sempre quem queira ganhar dinheiro com o futebol, até nos escalões de formação, encarando pessoas como "mercadoria".
Em declarações à TSF, Manuel Albano assinala que o que está "por trás" desta situação é um "negócio" em que alguém "quer lucrar com a fragilidade de outrem ou com um sonho de outrem".
Ressalvando não estar a comentar o caso concreto de Riba d'Ave, que está em segredo de justiça e seguir os trâmites normais "para se perceber exatamente o que aconteceu", assinala que pode estar em causa "um logro em que à partida terão sido enganados os pais".
Esta terça-feira, a RTP adianta que aos pais dos jovens terá sido prometida, pela BSports, formação académica e desportiva e a promessa de os filhos jogarem nos escalões profissionais do futebol português.
No caso de um jovem colombiano, os pais comprometeram-se por escrito a pagar 6600 euros ao longo de 11 meses - 600 por mês - pela frequência da academia. Se quisessem desistir, teriam de pagar a totalidade do acordado e fazer chegar à academia uma autorização de saída por escrito, acompanhada de um bilhete de avião com destino ao país de origem do jovem.
Os preços para frequentar a academia liderada pelo presidente da Assembleia Geral (AG) da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), Mário Costa, variam entre os 600 e os dois mil euros mensais.
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Pessoas vistas "como mercadoria"
Perante os dados avançados pela televisão pública, Manuel Albano identifica um "engano aos pais, prometendo alguma coisa que os seus filhos iriam ter, e que depois não se consubstancia. Antes pelo contrário, poderá consubstanciar-se em práticas que efetivamente podem configurar a prática de tráfico de seres humanos".
O caso não deixa de surpreender quem trabalha de perto com episódios de tráfico humano, até porque configura "violações elementares de direitos humanos fundamentais, do direito a ser, do direito a ter individualidade e do direito das pessoas a viverem em liberdade num Estado democrático e numa sociedade que defende os direitos humanos, seja em Portugal, seja no mundo".
Ainda assim, este não é um "exclusivo de Portugal, acontece em todo o mundo, infelizmente", por existir quem veja "outras pessoas como mercadoria e não como pessoas e não como seres humanos, mas como se fossem um objeto qualquer que podemos vender, trocar, apropriar-nos e cortarmos qualquer capacidade de individualidade".
Acima de tudo, assinala Manuel Albano, a surpresa é necessária para "não aceitarmos nem normalizarmos este tipo de situação. Essa indignação acho que todos a devemos ter", apela. Neste caso, há lugar a um elogio pela forma como as várias autoridades procederam.
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"Todas as pessoas foram imediatamente trabalhadas, finalizadas, com uma intervenção das equipas multidisciplinares que existem no país para o tráfico de seres humanos" e que procuraram "de imediato um alojamento" para todos os menores "em coordenação também com as comissões de proteção de crianças e jovens em risco".
Todos os menores foram acolhidos, assim como "os adultos que assim o entenderam", garantindo Manuel Albano que estão "protegidos e com a garantia de toda a segurança necessária para a sua estabilização emocional, psicológica, física, o que quer que seja necessário".
A partir daqui, e com essa segurança, nota, a Justiça terá "a capacidade de fazer o seu trabalho o melhor possível, ouvindo estas pessoas, mas já não numa situação de crise".
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Portugal faz caminho a par do mundo
O objetivo da rápida intervenção de outras equipas foi o de evitar "desde o primeiro momento esta leitura policial exclusiva", garantindo o apoio e conforto necessários: "É isso que nós temos feito e há esta evolução positiva, estes ganhos de confiança interinstitucional que permitem atuar de uma forma eficaz, interdisciplinar e coordenada numa situação como esta."
O trabalho feito por Portugal nesta área tem sido "bom", avalia o relator nacional, "no caminho de prevenirmos, combatermos, protegermos as vítimas e condenarmos quem comete o crime", que é "complexo do ponto de vista jurídico e judicial".
O crime de tráfico de seres humanos foi inscrito no ordenamento jurídico nacional apenas em 2007 e Portugal vem a fazer "um percurso, como todos os países", e é também com estes que enfrenta uma das dificuldades do combate: a baixa taxa de condenação.
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"Não é uma exclusividade de Portugal ou de qualquer outro país, devido à sua dificuldade no meio de prova. Agora, eu considero que efetivamente, nesta articulação interdisciplinar e interinstituições, se tem feito um bom caminho e um bom progresso", remata.
Esta terça-feira, o presidente da AG da Liga disse confiar que será confirmado que não praticou "nenhum ilícito criminal", depois de a sua residência ter sido alvo de buscas.
"No seguimento das notícias divulgadas hoje na comunicação social, venho esclarecer que no âmbito das investigações em curso prestei toda a colaboração às entidades competentes, tendo ainda manifestado total disponibilidade para fornecer os esclarecimentos que sejam necessários", refere a nota assinada por Mário Costa.
"Mais informo que aguardo serenamente o desenrolar das investigações certo e confiante de que se apurará a verdade dos factos que revelará que nenhum ilícito criminal foi praticado", conclui o documento enviado às redações.