
A ministra do Ambiente e da Energia, Maria da Graça Carvalho
Gerardo Santos/Global Imagens (arquivo)
Maria da Graça Carvalho assume pressão portuguesa para corrigir a rota do Acordo de Paris e acredita que se vai chegar a um acordo "ambicioso" com os líderes mundiais presentes na COP30, que este domingo se inicia em Belém do Pará
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A ministra do Ambiente e Energia espera resultados na mitigação e redução das emissões de gases com efeito de estufa por parte dos países presentes na COP30, em Belém do Pará.
Em declarações à TSF, Maria da Graça Carvalho adiantou que se vai fazer o balanço das chamadas NDCs, ou seja, daquilo que cada membro do Acordo de Paris se comprometeu, e garante que "todos vão apresentar, contabilizar e ver como é que está a trajetória". "Já sabemos não estar no caminho do objetivo de Paris, que levaria a um aumento de apenas um grau e meio no fim do século. Estamos perto dos dois e meio e, portanto, temos que corrigir a rota, e é esse plano de ação que eu espero na mitigação", revelou.
Mas não só. A ministra também quer uma decisão robusta sobre a adaptação e considera que tal será uma novidade, porque, de certo modo, estas cimeiras do clima da ONU têm estado sempre muito focadas na mitigação. "É natural, porque se tinha ainda a esperança de que, atuando na redução das emissões, se conseguisse evitar os efeitos das alterações climáticas. Agora, é uma evidência que os efeitos estão aí. Mais nuns locais do que noutros, mas estão por todo o mundo. Basta olhar para os grandes incêndios, as inundações, a erosão da costa, alterações nos padrões de saúde e doença, ou escassez de água. Tudo isso é uma realidade e, portanto, temos que nos preparar para definir como reagir a essa realidade", argumentou.
Como terceiro resultado desta COP, a responsável portuguesa pela pasta do Ambiente e Energia considerou que tanto a mitigação como a adaptação têm que ser feitas de uma forma justa, com o que chama de transição justa. "Temos isso no nosso país, essa preocupação. A Europa tem a transição justa como uma grande prioridade, mas também aqui vai ser muito importante haver uma cooperação internacional para que haja uma verdadeira transição justa", garantiu.
A ação terá de passar pela ajuda aos países mais vulneráveis, nomeadamente os pequenos estados insulares, mas também ajudar os países com mais capacidade de ação para todos fazerem esta transição. Adianta que isso está a ser feito "na conversão da dívida com Cabo Verde", onde está a ser preparada uma "oferta de ajuda".
A governante teve um papel ativo nas negociações sobre transição e adaptação, um dos três eixos prioritários para o Brasil e espera avanços em matéria de acordos para se evitar retrocessos ou recuos do tal multilateralismo climático. "Nesta COP30 é importante chegar a um acordo e que esse seja uma das principais conclusões. Temos que chegar a um acordo para mostrar que a negociação do clima se faz ao nível multilateral e não bilateral, país a país. Depois, queremos que esse acordo seja ambicioso", sublinhou.
Uma espécie de ponto de honra, quando diz que "tem de ser alcançado um acordo e isso vai acontecer".
"Nós temos negociadores muito bons, a presidência tem negociadores muito hábeis e a própria presidência brasileira é muito experiente neste domínio, e isso vai, com certeza, acontecer", assegurou.
Maria da Graça Carvalho recordou ainda que foi "facilitadora ou negociadora da adaptação na pré-COP" e que "ainda não estão definidos os negociadores da fase seguinte".
"Será tarefa para a última semana da cimeira e vai ser mesmo a semana de negociação a nível ministerial. Vamos aguardar. Se precisarem de mim, estarei disponível. De qualquer maneira, contribuirei sempre para que haja aqui um resultado concreto nestas três vertentes que falei", afirmou.
Portugal explica "Água Que Une" no arranque da COP30
Na hora da adaptação do planeta, a ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, abre o pavilhão de Portugal na COP30, explicando aos líderes por que o país escolhe a estratégia "Água Que Une" como forma de mitigação de riscos.
Para quem veio de Portugal à COP30, pode não ser novidade a estratégia "Água Que Une", mas boa parte das 160 delegações internacionais desconhece o que Portugal está a fazer em matéria de transição e adaptação às alterações climáticas. Por isso, Maria da Graça Carvalho diz que a escolha recai sobre uma das grandes prioridades, que é a adaptação, e adianta que "o nosso país é particularmente vulnerável em relação à adaptação nas questões da erosão do litoral, das cheias, mas também dos períodos de seca e falta de água, e estamos a agir nestas três frentes, sendo uma das principais que nos preocupa a questão da água."
Nesse sentido, a ministra diz que a grande novidade a apresentar aqui no Brasil é a ação, uma vez que esta estratégia nacional é uma das 10 agendas transformadoras do governo e é uma das principais. Sendo "grande prioridade do governo português e uma das três grandes prioridades desta COP, foi a escolha para tema de abertura do nosso pavilhão."
Maria da Graça Carvalho quer falar de uma série de obras previstas, que não são propriamente novidades, mas estão na sua linha de atuação: algumas a começar, outras já a meio e ainda outras nos preparativos para, muito em breve, serem lançadas. "Obras complexas, mas é o nosso lema", diz, para executar num horizonte temporal de três a quatro anos, num pacote que inclui a dessalinizadora de Albufeira, a tomada de água do Pomarão, as obras nos municípios com perdas de água e a decisão de fazer uma segunda dessalinizadora na região de Sines.
Como primeiros passos para minimizar os impactos das alterações climáticas inevitáveis, a ministra limita-se a dizer que é preciso ação e fazer obra, desde já. Maria da Graça Carvalho recorda que em Portugal se estão a fazer obras para travar a erosão da orla costeira, de norte a sul do país. Também enumera a luta contra as cheias e inundações e, aí, recorda a atuação nos rios para dar mais espaço aos leitos e fazer obras em zonas particularmente vulneráveis, como Lisboa ou Oeiras.
Admite que existem problemas no Algarve, no distrito de Faro, onde são precisas obras pequenas, mas necessárias. Aponta também Albufeira como outra zona sensível, entre várias do país que precisam de intervenção, além de Lisboa e Oeiras, onde as obras já estão em curso.
Considera, por isso, que a estratégia "Água Que Une" reúne todo o conjunto de obras que o país necessita para conseguir reagir à falta de água que pode vir a ocorrer, e recorda que "há anos como 2024, que foi um ano com muita chuva, mas nada nos garante que não haverá um período longo de seca, e temos de estar preparados."
Outra preocupação da ministra são os grandes incêndios, e depois dos últimos grandes fogos garante que Portugal fez, juntamente com 49 países, uma aliança, agora na reunião dos líderes da COP30, para efetivar a cooperação, tanto na parte científica - para perceber o mecanismo destas grandes ignições - como nas medidas para as evitar e combater. "Porque incêndios nós sempre tivemos na humanidade. Neste momento, a novidade é muito má: a sua dimensão é tal que é muito difícil de ser combatida, e é preciso um esforço conjunto a nível dos vários países. Pô-los a cooperar para perceber melhores mecanismos destes grandes incêndios, para os evitar e para os saber combater."
Nesta cimeira, a ministra espera ainda que possa ser definida uma listagem de urgências no futuro acordo da adaptação. Recorda que a primeira semana da COP será mais técnica, depois de ter ficado definido um calendário de trabalho para as próximas duas semanas na conferência de líderes que antecedeu o evento.
Maria da Graça Carvalho adianta que "pedimos à parte técnica que, na primeira semana, se dedicasse a definir as áreas prioritárias e os indicadores dessas áreas. Tendo sido já identificadas como prioritárias: litoral, cheias, escassez de água, erosão, desertificação e saúde. Depois, propor à parte política um enquadramento, um framework, para que a nível internacional haja cooperação também nesta área."
Para a ministra, existem muitos países que já estão a atuar, e é importante haver um enquadramento e cooperação internacional, assim como um mecanismo de ajuda aos países mais suscetíveis a estes programas de adaptação, como volta a dizer: "aqueles que estão mais gritantes são os pequenos estados insulares, que sofrem muito com a subida do nível do mar."
Um dos principais obstáculos para avançar nesta COP30, que tem sido apontado, é a questão do financiamento. Os compromissos assumidos pelos países mais desenvolvidos no Acordo de Paris ainda não foram completamente cumpridos, e o atual cenário geopolítico também parece pôr em causa o multilateralismo.
Maria da Graça Carvalho recorda que, na última COP em Baku, no Azerbaijão, definiu-se um modelo de financiamento muito inteligente, que permitiu avançar com um valor muito ambicioso: 1,3 triliões de dólares, para o qual contribuíam os financiamentos públicos dos Estados, os financiamentos multilaterais das organizações internacionais, dos bancos de desenvolvimento e do setor privado.
No entanto, neste momento, adianta que "o que falta definir é um pouco melhor a contabilização e a monitorização desses financiamentos. Mas é um facto que mesmo os Estados e os países que politicamente são mais avessos a suportar a luta contra as alterações climáticas estão a fazer ação sobre isso, porque elas existem, eles sofrem com isso e têm que fazer obras de adaptação."
A ministra admite que "mesmo que não haja decisão política, há nas cidades, no setor privado, nas ONGs, muita ação. Por exemplo, o caso dos Estados Unidos. Os Estados Unidos não estão presentes a nível político aqui, mas estão a nível técnico, porque são parte da convenção. Não são parte de Quioto nem do Acordo de Paris, mas são parte da convenção, e há várias dezenas de políticos eleitos que vão estar cá: presidentes de câmara, os mayors, governadores, muitos eleitos, muitas indústrias, muitos da academia, muitas pessoas das academias e das ONGs."
Presenças em Belém do Pará levam a ministra a concluir que "isto já é imparável, porque toda a gente sente os efeitos das alterações climáticas. Por outro lado, também sentem que a forma mais barata para a competitividade da economia são as energias renováveis. Neste momento, o solar fotovoltaico, em termos de competitividade, é imbatível."
Para esta responsável do governo português, a questão da competitividade da indústria e da economia em geral passa por Belém do Pará, pois não há forma dos combustíveis fósseis ou de energia nuclear competirem com o fotovoltaico, por exemplo. Admitindo que são precisos sistemas de armazenamento e controlo, conclui que, até do ponto de vista económico, o caminho passa pela luta ambiental contra as alterações climáticas e pela sustentabilidade.
Do lado mais político, quando questionada sobre o facto de a China estar nesta COP30, depois de ter assumido na Organização Mundial do Comércio que não está no grupo dos países em desenvolvimento, renunciando a esse estatuto e garantindo que não reivindicará mais os privilégios de um país em desenvolvimento, Maria da Graça Carvalho recorda que, em Belém do Pará, a China continua a pertencer ao G77, que são os países subdesenvolvidos. Adianta que "em relação às modificações do clima, a China continua ao lado dos países menos desenvolvidos, dos G77. Aqui há o grupo do G77 mais China, depois há o G44, que são os com menor desenvolvimento, mas continua a ser assim."
Para a ministra, este não é nenhum sinal de cedência, mas sim um sinal da evolução dos tempos, porque "houve um desenvolvimento grande dos países desenvolvidos, muito à custa de terem cortado as suas florestas, de se terem desenvolvido à custa da combustão e de toda a revolução industrial. A revolução industrial aconteceu, criou sociedades ricas e deu origem a países que neste momento têm um estatuto diferente dos outros países que não acompanharam essa evolução. Os gases com efeito de estufa têm um período longo de vida; há aqui também o sentir que não é só a questão do momento, mas é o olhar para toda a evolução. Daí ser uma situação ligeiramente diferente da Organização Mundial do Comércio."
Maria da Graça Carvalho diz que "não é a minha posição pessoal, mas é o grande argumento quando se faz a negociação com países em desenvolvimento. É a história. O Brasil também tinha usado esse argumento para poder avançar, tal como a Índia. Agora, a China, à medida que o tempo passa, desenvolve-se cada vez mais. É natural que cada vez menos use esse argumento, e esse é o argumento que ficou famoso no discurso de Fidel Castro na Cimeira do Rio de Janeiro de 1992, e até há um livro sobre o porquê desse argumento. Mas, com o tempo, esse argumento para os países em vias de desenvolvimento vai ser cada vez menos convincente. Aqui, no clima, penso que, por esse acumular da história, a China continua ao lado dos países em desenvolvimento."
