
Tiago Oliveira, secretário-geral da CGTP
Pedro Gomes Almeida
Na entrevista TSF/JN, o secretário-geral da CGTP considera "irrelevante" a participação de Montenegro na reunião com a UGT e afirma que Marques Mendes sabia que estava "a faltar à verdade", quando acusou a CGTP de nunca ter assinado um acordo de concertação social.
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Ainda existe margem de manobra para que esta greve geral, que está marcada para 11 de Dezembro, seja desconvocada?
A CGTP tem sido firme desde o início. Passaram 4 meses desde a apresentação da proposta deste ante projeto do pacote laboral que o Governo apresentou em Julho passado. Em cima da mesa, passado quatro a CGTP só tem um único documento, um único documento que foi o documento inicial. Não houve outro. Acho que já está completamente interiorizado na opinião pública a dimensão do ataque está em causa e perante esta enormidade de alterações que estão no pacote laboral, todas elas profundamente negativas para o mundo de trabalho. A CGTP colocou desde o início ao Governo a abertura para discutir a partir daquilo que já hoje está na lei, que é profundamente negativo para o mundo do trabalho. A partir daí não aceitamos e não vamos aceitar. Portanto,
partindo desta observação e desta leitura, a CGTP teve uma posição no início e continua a ter até hoje: o Governo que retire este pacote laboral de cima da mesa que recue na sua intenção de levar por diante à discussão na Assembleia da República este anteprojeto de projeto de lei. E se assim o fizer, pode contar com a CGTP para, a partir daquilo que já hoje está na lei e que é profundamente negativo para o mundo do trabalho, construirmos um percurso diferente daquele que está a ser construído agora e ultrapassarmos as dificuldades que estão em cima da mesa.
Acredita que a UGT não vai ceder à pressão do Governo?
As informações que temos é que a UGT está firme na naquilo que é o posicionamento relativo à rejeição do pacote laboral. Mas isso será sempre uma questão e um posicionamento que será a UGT ter que definir aquilo que é o seu percurso, aquilo que é a sua responsabilidade e aquilo que ue vê como caminho a seguir. Aquele que é o posicionamento da CGTP, esse também não muda. É aquilo que os trabalhadores esperam numa central sindical. É que em qualquer momento e em qualquer negociação, sempre que se senta à mesa para discutir as questões laborais, que saia dessa discussão, a melhoria das condições de vida de quem trabalha. Então, se é isto o papel fundamental do sindicato é a nossa visão, é a nossa posição de que temos de construir um percurso diferente daquilo que está a ser construído agora e
relativamente a isso, a posição da CGTP, essa não muda, é a exigência da retirada do pacote laboral.
O primeiro-ministro vai receber a UGT a São Bento na próxima semana. Como é que vê este encontro?
Aquilo que foram as declarações do Secretário Geral da UGT, é que esta reunião tem por base um convite da própria GT de conversa com o primeiro-ministro. Mas a questão central para nós não está a ir, aliás, todas as negociações decorreram até agora com a Ministra do Trabalho como a representante do Governo. Este pacote laboral, quando foi apresentado, não foi apresentado sem desconhecimento daquilo que é o seu conteúdo por parte do primeiro-ministro. Portanto, trazer agora ou não um primeiro-ministro à discussão, do ponto de vista da CGTP é uma coisa irrelevante no processo. O primeiro-ministro é profundo conhecedor do conteúdo do mesmo, daquilo que é o ataque que está em causa e que está a ser fabricado para o mundo do trabalho, é o primeiro responsável por aquilo que está a ser o processo de condução desta discussão toda até agora e como principal responsável terá que assumir as consequências de todo, de todo este processo de luta. Convém enfatizar aquilo que foi o posicionamento do governo até ao momento da convocação da greve geral. Aquilo que era uma proposta que parecia que não tinha o espaço mediático, nem a importância que se queria dar, de repente, com a convocação da greve geral, já parece que há toda a disponibilidade para tudo e mais alguma coisa, mas nós não perdemos a questão central de vista. É que todas estas questões que estão a aparecer no espaço mediático de uma ou de outra matéria em que o Governo pode recuar, é bom que a gente perceba o seguinte, o Governo não apresentou medidas avulso. O Governo não apresentou uma outra medida que a gente possa discutir a partir do elemento A , a partir do elemento B, construir, em negociação, um conjunto de alterações na legislação laboral. O que este Governo fez foi entregar, logo à partida, um pacote laboral de mais de 100 medidas e o que disse desde o início foi que, independentemente de qualquer tipo de desfecho deste processo negocial, era intenção do Governo levar à Assembleia da República o anteprojeto de trabalho, ao mesmo tempo que afirmava que não abdicava das tais traves mestras. E a questão das traves mestras é a questão central, porque o Governo identificou seis traves mestras, a CGTP também identificou as mesmas porque são aquelas onde assentam todas as restantes cem matérias deste pacote laboral. E, portanto, para nós é indiferente se o primeiro-ministro entra no processo ou não. Ele é profundo conhecedor daquilo que está em cima da mesa. Em todo este processo, discutimos sempre com a Ministra do Trabalho. Aquilo que a gente quer é a retirada do pacote laboral.
Uma eventual cedência da UGT iria colocar em risco um eventual sucesso da greve geral?
Aquilo que eu posso reforçar relativamente a isso, é que que cada central terá de assumir o seu papel neste processo e as consequências do caminho que toma. E da parte da CGTP eu volto a reafirmar qual é o papel do sindicato? Qual é o papel daqueles que em nome dos trabalhadores, em representação dos trabalhadores, se sentam à mesa para negociar em nome desses trabalhadores? Que em cada conversa, em cada processo negocial encontre os caminhos necessários para a melhoria das condições de vida de quem trabalha. Se não for esse o caminho, então algo de muito errado. Em nome da CGTP o nosso o nosso posicionamento não muda uma vírgula relativamente a todo este processo.
Concorda que a UGT está sob forte pressão do Governo, a CGTP tem ciúmes desta atenção que a UGT está a receber por parte do Governo?
Nem de perto, nem de longe. (risos) A CGTP tem aqui uma grande pressão e digo já qual é. É tudo fazer para construir um grande dia 11 de Dezembro, uma grande greve geral. Temos aí centenas de plenários que já estão marcados pelos mais diversos sindicatos. São milhares de trabalhadores que vão ser contactados. O nosso trabalho é este, é de informar, de mobilizar, de trazer os trabalhadores para a luta. Essa é a nossa grande responsabilidade. É a responsabilidade que assenta e junto daqueles que a gente quer ter, de facto o protagonismo e a gente quer ter o protagonismo. Relativamente a outras organizações, são elas que terão que definir o seu caminho, o seu percurso. E no fim, cada uma assumirá as consequências desse mesmo percurso.
As alterações que na última semana foram sendo conhecidas por parte do Governo, Não sinalizam o desejo de continuar a negociação?
Quais são as traves mestras que o Governo não abdica? Como é que se consegue gerir ou colocar na mão das empresas os grandes grupos económicos, a vida dos trabalhadores? É com duas medidas concretas: com a desregulação dos horários de trabalho, colocando o trabalhador mais disponível para o trabalho e enfrentando a sua capacidade de organização, a capacidade de luta e de procura de uma vida melhor. O que é que o Governo faz? Alarga os contratos de trabalho a prazo, contratos de trabalho a termo de 2 para 3 anos, os contratos de trabalho a termo incerto de 4 para 5 anos, normaliza o outsourcing a partir do momento que o despedimento coletivo de uma empresa. Passa a empresa a, após um despedimento coletivo, logo no dia a seguir, poder externalizar o serviço. Obviamente embaratecendo o trabalho e colocando trabalhadores em situações muito mais complicadas. Depois ataca o direito à greve, ataca o direito à liberdade sindical, impedindo os sindicatos de entrar nos locais de trabalho, facilita os despedimentos. Ora, tudo isto a quem é que interessa? Tudo isto interessa aos mesmos de sempre. A última coisa é a questão da disponibilidade do trabalhador para o trabalho. A introdução de banco de horas individual. São 2 horas por dia a mais, 10 horas por semana a mais, 150 horas por ano a mais. Trabalho que devia ser pago como um trabalho extraordinário e deixa de ser pago como um trabalho extraordinário. Mas a mesma Ministra, o mesmo governo que relativamente à amamentação, disse ainda há umas semanas atrás na Assembleia da República que não é razoável, as mães que tenham filhos quererem gozar 2 horas de licença por dia, o que faz uma semana por mês e quererem chegar ao fim do mês e ganharem o mesmo, é a mesma Ministra que relativamente ao alargamento dos horários de trabalho para as empresas, as tais 2 horas a mais por dia, 10 por semana, 150 por anos por ano, não se preocupa por dar um mês de trabalho gratuito às empresas. E é aqui que se vê posicionamento daqueles que estão do lado dos trabalhadores, daqueles que estão do lado dos patrões e por isso, se nós olharmos para aquilo que estou aqui a afirmar, nada disto nada interessa a nenhum trabalhador. Relativamente a isto, a posição única é de rejeição completa do pacote laboral, portanto, mantemo-nos firmes nesta base e nesta linha de luta.
Porque é a CGTP exige a retirada total do pacote laboral, sendo isso politicamente inviável? Seria melhor não ter uma posição tão maximalista que impede qualquer vitória parcial?
Nós desafiámos a Ministra numa reunião que tivemos, a indicar pontos positivos que ela própria encontrasse no pacote laboral que tem mais de 100 medidas. Sabe qual foi a resposta da Ministra? Encontrou duas medidas positivas. Se fosse eu que tivesse feito um pacote laboral e se me colocassem a mesma questão, a resposta que eu daria, como representante do Governo, era dizer que todo ele é positivo para o mundo do trabalho todo. Portanto, isto diz muito de quem tem um objetivo concreto, de quem neste processo de construção não colocou uma única proposta da CGTP. E dissemos cara a cara à Ministra que nem uma vírgula, nem um ponto de exclamação, nem um ponto final, o Governo conseguiu ir buscar às propostas da CGTP para colocar neste anteprojeto. Partindo disto, não há qualquer tipo de condição que não seja a exigência de retirada e a total abertura da CGTP para nos sentarmos com o governo, discutirmos com o Governo a partir daquilo que é hoje a legislação laboral, identificar os aspetos negativos e construirmos caminho para alterar esses aspetos negativos e melhorar as condições de vida de quem trabalha. Caso contrário, a questão está nas mãos do Governo, foi o governo que se posicionou neste patamar e se escolheu o lado, terá que responder por ele.
Como é que ouviu o candidato presidencial Marques Mendes a dizer que a CGTP nunca tinha assinado um acordo de concertação social?
Por acaso vi esse debate e tenho a dizer que fiquei agradado porque não foi preciso recorrer a nenhum factcheck para comprovar que aquilo que o candidato Marques Mendes estava a afirmar, era completamente falso. Mas infelizmente não é só ele que que tem referido isso. São várias as personalidades que o têm feito. Se alguém pensa que estas declarações são inocentes ou são na base de um engano, estão a pensar mal porque ninguém com um passado político como Marques Mendes, com as responsabilidades que teve, pode vir dizer isto a público, sem saber, de facto, que está a faltar à verdade. A CGTP já firmou, em sede de concertação social, oito acordos e dois deles de importância, um sobre contratação coletiva e outro sobre o salário mínimo nacional. É bom relembrar que desses oito acordos, ainda estamos à espera todos se concretizem, como com a questão do salário mínimo nacional. Foi feito um acordo, aliás, plurianual, que não foi cumprido. Era para atingir os 500 euros em 2011 e só se atingiu os 485 e a seguir ainda conseguimos ficar com três anos de salário mínimo nacional congelado e, portanto, àqueles que dizem que a CGTP não assina mais uma vez, digo, é preciso perceber qual é o objetivo de dizer isso e porque é que dizem sempre isso da CGTP. Mas não nos choca nada. Não esperem que a CGTP coloque a sua assinatura em qualquer papel, em qualquer documento que no seu conteúdo preveja a retirada de direitos aos trabalhadores. Para isso, nós vamos assinar sempre se for para evoluir, se for para melhorar, contem com a CGTP para tudo, se for para retirar direitos, não contem com a CGTP.
Mas numa época de perceções, não receia que pareça que a CGTP é que assume uma posição irredutível e que não quer negociar?
Nós sabemos perfeitamente que não controlamos esse espaço mediático, aquilo que a gente pode fazer é onde, onde temos intervenção, tentar desmontar isso e passar a verdade dos factos. Como é que o processo foi construído? Como é que ele está a ser dirigido? E, portanto, é a partir daí que nós conseguimos ter a nossa intervenção e o nosso esclarecimento . No passado dia 8 de Novembro tivemos mais de 100 mil trabalhadores nas ruas de Lisboa a lutar contra o pacote laboral, foram mais de 100 mil. Foi construído à custa de todo o esforço de toda a estrutura da CGTP, de todo o movimento sindical. Aqueles trabalhadores não apareceram porque houve propaganda. Foi fruto do trabalho, da presença de todos os legados, dirigentes, ativistas, sindicais. Que nos locais de trabalho nas empresas mobilizaram aqueles trabalhadores para a luta e aqueles trabalhadores vieram para a luta exatamente conscientes do conteúdo do pacote laboral, porque nós informámos todos eles. É uma demonstração. de que te vamos ter de facto, no dia 11 de Dezembro uma grande greve geral e esse é o objetivo.
Qual é a estimativa da CGTP para a adesão à greve geral do dia 11?
Vamos ter uma grande jornada de luta. São mais de 50 estruturas sindicais que aderiram à greve geral. Nós temos contactos praticamente diários, com um conjunto alargado de sindicatos. De auscultar as suas opiniões, as suas preocupações, assim como tantos e tantos trabalhadores com quem falámos diariamente, E por isso vamos ter, de facto uma grande greve geral. Temos de continuar a trilhar este caminho de informação, de mobilização, de esclarecimento. Ainda existe muito caminho para esclarecer. Há muito, trabalhador, ainda que ainda não tem a verdadeira dimensão do ataque que está em curso. Mas a greve geral já permitiu isso. A convocação da greve geral já permitiu colocar no espaço mediático algo que. Que já tinha um percurso de meses que estava em cima da mesa e que estava completamente afastado do espaço mediático e a convocação, a convocação da greve geral já permitiu, permitiu romper com esse silenciamento, permitiu, permitiu trazer para a para a esfera pública esta discussão. E cada vez mais agora com a nossa intervenção, temos que construir a greve geral e vai ser, de facto uma grande greve geral. Não tenho dúvidas disso.
O Governo e o primeiro-ministro têm dito que os portugueses têm mais dinheiro no bolso . Não o preocupa que as pessoas razões para aderir a esta greve geral?
Se os salários aumentassem e o resto do dos bens essenciais não aumentassem, então aí a gente poderia falar sobre isso. Mas a questão central é que cada um de nós sente, de facto, o aumento de custo de vida, que é brutal. E sentimos a falta das políticas para responder a essas dificuldades. Os salários têm aumentado muito aquém das verdadeiras necessidades de quem trabalha, das possibilidades que o país tem de aumentar salários. Aquilo que tem sido os lucros astronómicos dos grandes grupos económicos, que são fruto do trabalho de cada um de nós. Só que depois a questão central de qualquer discussão, de qualquer sociedade é a divisão daquilo que é o fruto do trabalho. Essa divisão assenta nos mesmos de sempre e deixa a maioria de lado. Nós temos 2,5 milhões de trabalhadores com salários brutos inferiores a 1000 euros por mês, são 50% do número de trabalhadores. Nós temos cerca de 800 mil trabalhadores que ganham um salário mínimo nacional. Eu não sei se o primeiro-ministro quando disse isso, estava a falar para estes trabalhadores, mas uma coisa, eu sei, é que o primeiro-ministro não sabe o que é viver com 920 euros, não sabe o que é o que é viver com essa dificuldade não sabe o que é ter que pagar uma casa e não ter dinheiro para pagar a renda a 2.300 euros por mês e nós já dissemos isto: é preciso sair muitas vezes da bolha, onde estão inseridos alguns e perceberem aquilo que é a verdadeira preocupação que se vive fora dessa bolha. E, infelizmente temos um primeiro-ministro que continua a situar-se e dar valor a um circuito que para o qual ele vive e que está inserido e não olha para aquilo que é a maioria. A maioria são 5 milhões de trabalhadores, são os reformados, são uns jovens que querem olhar e ter uma perspetiva de futuro diferente daquela que têm hoje e aquilo que está a ser construído neste pacote laboral é um completo retrocesso.
Se a adesão à greve geral for baixa, assume a sua responsabilidade pessoal por esse fracasso?
A CGTP tem uma realidade muito própria de trabalhar com este espírito de discussão coletiva e aquilo que a CGTP assumiu foi fruto da discussão de meses com os diversos sindicatos, com as diversas estruturas. É fruto dessa discussão coletiva que se decidiu avançar para a greve geral. Nós temos que ter a perceção, que é a dimensão do ataque que está em cima da mesa. É dos maiores retrocessos alguma vez colocados perante o mundo de trabalho. E a greve geral vai ser esse esse momento de resposta. Os trabalhadores que não sintam medo, os trabalhadores que não sintam receio, os trabalhadores que aproveitem esse dia para se afirmar, para olharem para aquilo que são as suas dificuldades que sentem já hoje e que procurem lutar por uma vida melhor, por uma política diferente, que olhem uma política que olhe para os interesses da maioria.
Na nossa última entrevista, apelava aos trabalhadores para que "votassem com a farda". Apesar desse apelo, a maioria de direita reforçou -se e a esquerda parece definhar no Parlamento. O que é que está a falhar à esquerda para que o apelo seja ouvido?
No meu ponto de vista, o Governo quando diz que, independentemente do desfecho da discussão do pacote laboral, tem vontade de levar o pacote laboral para a Assembleia da República, é exatamente porque sabe qual é a composição da Assembleia da República. Sabe que A direita está em maioria, sabe que tem todo o caminho aberto para fazer valer aquilo que é o objetivo deste Governo. Conhece o posicionamento da Iniciativa Liberal e do Chega relativamente ao pacote laboral e, portanto, é um governo que se está a aproveitar, obviamente disso. Mas retomando a questão que colocou, nós sabemos como é que está a ser construída a retórica. Nós sabemos aquilo que os trabalhadores vivem, da mensagem que diariamente lhes entra casa adentro de que o caminho é este, que não há alternativa e esta narrativa dominante, obviamente, tem impactos na formatação, tem impactos naquilo que é a consciência de cada um, a própria individualização das relações de trabalho, as próprias terminologias que hoje surgiram e conduzem a uma individualização: a questão do colaborador, da entidade empregadora, em vez de patrão, a questão de meetings, tudo é construído na base de tentar afastar cada vez mais os trabalhadores dessa consciência de classe. Obviamente que esse trabalho tem de ser feito. A individualização das relações de trabalho é muito difícil. É difícil combater, é difícil ultrapassar, mas da nossa parte, aquilo que nós temos que de fazer é vestirmos, cada um de nós, a farda do trabalho. Que valorizemos muito aquilo que nós somos, enquanto pessoas que somos trabalhadores, isso é. das coisas mais bonitas que pode haver.
Se esta greve paralisar o país, não receia que isso possa colocar a opinião pública contra as greves. Por exemplo, são recorrentes as queixas dos utentes dos transportes...
Essa é daquelas questões que o próprio governo utiliza para aproveitar e apresentar uma das alterações, que é o ataque ao direito à greve. Não nos podemos esquecer que foi em Maio deste ano, quando houve eleições, que os trabalhadores da CP fizeram uma grande luta. Foram quase 100% dos trabalhadores que aderiram àquela greve em pleno período eleitoral. E não podemos esquecer aquilo que foi a intervenção do Luís Montenegro e do Governo que classificou aquela greve como "aproveitamentos partidários". Se o primeiro-ministro acha que numa empresa qualquer, nomeadamente numa empresa como a CP, com o passado de luta e histórico de luta que têm, se 100% dos trabalhadores aderiram àquela greve foram conduzidos de forma partidária? Nenhum trabalhador em qualquer empresa faz greve conduzido de forma partidária. O trabalhador que faz greve, faz greve sentindo necessidade de se afirmar sentindo necessidade de lutar por uma vida melhor, seja pelo salário, pelas condições de trabalho, seja por aquilo que o trabalhador entender que deve ser, mas cabe ao trabalhador dar esse passo. O Governo aproveitou-se dessa greve para avançar com o ataque que está em curso à lei da greve. No próximo dia 11, na greve geral, esperamos que os trabalhadores exerçam o direito que é seu, que foi uma conquista de Abril. Nós não podemos esquecer que antes do 25 de Abril num ajuntamento éramos espancados, éramos presos. Foi uma conquista de Abril do direito à greve, então os trabalhadores que usem um direito, que é seu, que olhem para aquilo que são as dificuldades que já hoje se sentem na sua vida, que olhem por uma vida diferente na sua perspetiva de futuro e que lutem por essa perspetiva de futuro e que não se sintam condicionados em nada.
Que setores da economia, tanto do setor privado como Público, como os transportes, a saúde e a educação, têm sido mais mobilizados até agora para esta greve geral?
Todos os setores, tanto o setor público, como o setor privado são fundamentais para o êxito da greve geral. Obviamente, que que há setores que, pela sua importância, têm um maior impacto na greve, como o setor dos transportes, o setor da saúde, o setor da educação são obviamente setores que têm muito mais visibilidade e muito mais impacto na sua dimensão e de adesão à greve. Temos identificadas, obviamente, empresas prioritárias para intervir. Temos identificadas empresas onde é fundamental um trabalho direcionado para o êxito da greve. Temos identificado os setores que são setores fundamentais para esse êxito, basta ver por aquilo que são os pré avisos greves já emitidos e vemos que os mais variados setores da nossa sociedade já estão com um prévio de greve. De facto não há aqui nenhuma prioridade, há um o sentimento generalizado dos trabalhadores de virem para a rua lutar por uma vida melhor.
Falemos de trabalhadores precários, alguns dizem que sentem que esta greve serve mais à agenda sindical do que as suas próprias necessidades. Concorda com isto?
Não ouvi nenhum trabalhador dizer isso, mas posso afirmar que de acordo com as razões que nos trazem à luta são a mesma luta. Esta questão de individualização das relações de trabalho, esta questão de que é cada um por si. Esta questão de que passa a ser quase natural, que cada um se atropele para conseguir atingir objetivos que já são eles próprios pré programados para os atingir. Obviamente que isto tem impactos na vida e na perceção de muitos, principalmente aqueles que têm vínculo de trabalho precário, têm relações individuais de trabalho. Mas nós temos é de ver a dimensão dos problemas que temos hoje: o porquê desses trabalhadores estarem nessa própria condição. Aqueles que dizem que esta alteração à legislação laboral é necessária por uma questão de modernização, por uma questão de resposta às novas tecnologias, por uma questão de adaptação às empresas às novas realidades, se a gente olhar para a realidade de hoje, já do mundo do trabalho, aquilo que vamos constatar é que já temos 1 milhão 300 mil trabalhadores com vínculos de trabalho precário. Hoje, nesta realidade, temos quase 2 milhões de trabalhadores hoje já com horários de trabalho completamente desregulado. Trabalhadores que trabalham ao sábado ao domingo, ao feriado, trabalho por turno, trabalho noturno. Só neste ano já vamos em mais de 400 despedimentos, mais de 5 mil trabalhadores abrangidos. Quer dizer que aqueles que dizem que esta alteração visa flexibilizar cada vez mais as relações de trabalho, basta olhar para aquilo que são os dados, há enormes problemas no mundo de trabalho, aos quais nós temos que dar resposta. Se nós temos que nos a adaptar a tudo isso então que adaptemos, protegendo cada vez mais o trabalhador e não abandonando cada vez mais o trabalhador. Porque aquilo que se está a fazer é abandonar cada vez mais o trabalhador. Dou aqui um exemplo muito concreto: a Ministra veio dizer que um jovem trabalhador hoje não quer o mesmo trabalho por toda a vida. É uma razão que este Governo utilizou para justificar um conjunto de alterações à legislação laboral. Porque é que com vínculo, o trabalho efetivo impede um trabalhador de hoje estar num local de trabalho e amanhã procurar outro posto de trabalho? Eu próprio na altura em que ingressei no mundo de trabalho, procurei dois, três, quatro trabalhos diferentes. Em que é que me impediu um vínculo de trabalho efetivo? De estar naquela circunstância amanhã a sair e estar à procura do trabalho. O que eles estão a fazer não é preocupar-se com o trabalhador, porque o trabalhador que tem um vínculo de trabalho efetivo tem a segurança de ir procurar um posto de trabalho, tem a certeza que, procurando outro posto de trabalho, não perde o seu sustento porque tem um posto de trabalho garantido. Aquilo que eles querem fazer é retirar ao trabalhador essa segurança, é retirar do trabalhador toda a sua segurança, para ficar cada vez mais disponível para o trabalho, para a vontade de ser utilizado com nas horas, na forma como que o Patrão decidir. As razões são todas elas em cima da mesa. Nós vivemos obviamente, num mundo cada vez onde o mundo de trabalho cada vez está mais regulado, mas está desregulado exatamente porque há interesses e isto tem que tem que ser denunciado.
Como avalia a proposta do serviço mínimo que o Governo poderá impor em alguns setores. A CGTP considera isso uma restrição ao direito da greve?
Esta questão dos serviços mínimos e da forma como está a ser construída leva a uma perceção de que não é que não é realidade. Nós já hoje temos serviços mínimos em setores considerados setores sociais impreteríveis. Quando é emitido um pré aviso de greve, esse prédio aviso para esses setores, que são denominados necessidades sociais impreteríveis, é discutido por um conjunto de árbitros que define serviços mínimos para o setor. É preciso desmistificar ideias que os serviços mínimos não chegam. Nós temos setores na nossa sociedade em que os serviços mínimos ultrapassam o funcionamento normal diário dessa instituição. Nós temos setores públicos onde, pela fragilidade e falta de trabalhadores, os serviços mínimos que são decretados conseguem ser decretados na base do normal funcionamento da instituição, só que como a instituição já funciona nos mínimos, os serviços mínimos decretados são sempre superiores àquele que é o normal funcionamento da própria instituição. O que este Governo faz com a questão da greve é alargar as áreas de consideradas de necessidade social impreterível ao setor social e ao setor da alimentação e à vigilância privada. Agora nós temos que perceber o que é que o que é que o que é isto de alargar ao setor da alimentação. Pode abranger tudo. Já estamos a meter a área dos transportes, pode abranger todas as superfícies comerciais, pode abranger todas as fábricas de produção de alimentos. Nós temos usado o termo de dizer que até as batatas fritas passam a ser uma necessidade social impreterível. Quem mexe nisto, mexe com objetivos muito próprios e não é defender o trabalhador. O objetivo é, obviamente, retirar ao trabalhador a capacidade da organização, a capacidade de luta. E portanto, a partir do momento em que nenhum patrão se insurge relativamente ao pacote laboral, fica bem patente a quem é que ele responde.
E há preocupação com retaliações dos patrões, ou discriminação aos grevistas?
Claro que existe e que nós sabemos muito bem. Lá está é a questão de sair da bolha onde se vive. Nós sabemos bem qual é a relação, o que é que se passa hoje nas empresas e no trabalho. Acho que mais do que importante do que isso é olharmos e dizermos com confiança para que os trabalhadores assumam aquilo que é um direito seu. O direito de greve é aquele momento em que o trabalhador tem que dizer assim: "se eu não vier trabalhar, tudo para, eu sou a peça fundamental da máquina que está aqui instalada, e se eu sou a peça fundamental, tenho que ser tratado como isso, tenho de ser valorizado. É daquelas frases que eu gosto: que vista numa farda de trabalho e que que sejam eles próprios com muito orgulho.
A última greve geral foi há 12 anos, na altura Arménio Carlos liderava a CGTP. Falou com ele, procurou conselhos? Como é que foi conseguido este processo de convergência?
Foi um processo normal em que as duas centrais perceberam, pela dimensão do ataque que está em curso, que havia necessidade de conversarem entre si para encontrar uma forma comum de resposta ao ataque. Houve conversas, chamadas telefónicas que permitiram a existência...
Dos dois lados?
...Dos dois lados que permitiram esta convergência. Acho que foi uma forma natural. Passa-se a ideia de que este é . acontecimento raríssimo. Raro já é a marcação de greves gerais, porque neste nosso período democrático são muito poucas, as greves gerais que tiveram lugar, logo aí vê se a dimensão do ataque.
Concentraram-se no período da Troika, sobretudo...
Basicamente sim, mas percebeu-se que pela dimensão de ataque é um processo normal que as duas centrais discutam, que articulem trabalho, que percebam a necessidade de convergir neste caminho de luta. Obviamente que cada central irá fazer o seu percurso da construção da greve, mas a importância da greve geral e desta convocação está bem demonstrada, logo a partir do momento em que ela foi convocada pela dimensão, pelo impacto e pela importância que permitiu trazer para a discussão pública a dimensão do pacote laboral.