Governo altera tributação em IRS e garante que ninguém é penalizado. Mínimo de existência, escalões e redução das penhoras aliviam recibos verdes. Fim da presunção de despesas pode pesar.
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Afinal as mudanças que aí vêm no IRS penalizam ou beneficiam os trabalhadores a recibos verdes? Depende. Do quê? Do rendimento e das despesas profissionais.
Foi um dos temas que gerou mais polémica na apresentação do Orçamento do Estado (OE2018): o fim da presunção de que um quarto dos rendimentos declarados pelos trabalhadores independentes do regime simplificado corresponde a custos da atividade.
A medida não é, no entanto, a única a afetar os contribuintes da categoria B do IRS. Há outras três dirigidas a estes trabalhadores: o alargamento do mínimo de existência (abaixo do qual não se paga IRS, e que até agora só abrangia quem tinha contrato de trabalho), o reescalonamento do imposto, e a impenhorabilidade de dois terços do rendimento - isto para além do fim da sobretaxa. Estas medidas aliviam a carga fiscal aplicada a estes contribuintes. A primeira, relativa às despesas, pode potencialmente agravá-la.
O governo garante, no entanto, que ninguém será penalizado e sublinha que 90% dos trabalhadores liberais não serão afetados, e não terão sequer de apresentar faturas dessas despesas.
A TSF contou com a ajuda da EY para analisar o que vai acontecer aos trabalhadores a recibo verde. A consultora fez várias simulações que ilustram as mudanças, cenários que encontra ao longo deste texto.
Vamos por partes - e começamos pela última.
Mais ou menos despesas e imposto a pagar?
Atualmente a Autoridade Tributária (AT) presume, de forma automática, que 25% do rendimento dos 600 mil agregados familiares do regime simplificado (com rendimentos anuais até 200 mil euros) corresponde a despesas profissionais, sendo o IRS calculado depois de essa parcela ser abatida ao valor bruto.
Por exemplo: se um trabalhador declarar 10 mil euros de rendimento, o IRS só incide sobre 7.500: o Estado assume que 2.500 euros (25% dos 10 mil euros) foram gastos em despesas relacionadas com o serviço prestado, e o IRS é aplicado sobre o restante.
Da mesma forma, alguém que declare 100 mil euros beneficia de uma presunção por parte do fisco de que 25 mil euros foram gastos na prestação do serviço, pagando imposto sobre 75 mil.
Na proposta de Orçamento do Estado para 2018, esta presunção é substituída por uma dedução específica - fixa - como já acontece no caso dos rendimentos da categoria A (trabalho dependente e pensionistas). Esse valor é de 4.104 euros, que são abatidos ao valor declarado, independentemente do rendimento. Quem tiver despesas superiores a estas, terá de apresentar faturas que o comprovem.
Nos casos em que os 4.104 euros correspondem a, no máximo, um quarto do rendimento, o trabalhador não é penalizado, sendo mesmo beneficiado. Se esta fosse a única alteração ao IRS aplicável aos trabalhadores independentes, quem ganha até 16.416 euros por ano iria pagar menos, sem ter de se preocupar com a apresentação das faturas.
Por exemplo, o tal trabalhador que declara 10 mil euros beneficia hoje de um abatimento, para efeitos de cálculo do imposto a pagar, de 2500 euros; com esta medida, passa a beneficiar de uma redução de 4.104. Vai, por esta via (mas não só, como veremos adiante), pagar menos imposto.
E o trabalhador independente que declara 100 mil euros?
Em relação a esse, a AT presumia que existiam despesas de 25 mil euros, aplicando o imposto sobre os restantes 75 mil.
Em 2018, das duas uma: ou o trabalhador tem faturas no valor mínimo de 20.896 euros (equivalente à diferença entre os 4.104 abatidos e os 25 mil que eram assumidos), ou então vai pagar mais. E se à partida parece razoável assumir que poderá haver muitos casos assim, dado que muitos dos prestadores podem não ter despesas de valores tão elevados, por outro, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais disse à TSF que há casos em que até faturas de vestuário e supermercado podem ser apresentadas. António Mendonça Mendes garantiu, como o ministro das Finanças, que os trabalhadores independentes não vão ser prejudicados.
Mas há muito mais casos, como fica patente nestas simulações da autoria da EY, que mostram a diversidade e complexidade das situações possíveis.
Tendo em conta todas as alterações em simultâneo, a EY conclui aqui que os trabalhadores que tenham despesas até 4.104 euros vão ser beneficiados se tiverem um rendimento até 19.200 euros ilíquidos anuais (cerca de 1.600 mensais). "A partir deste valor, o aumento do rendimento tributável mais que compensa a diminuição do IRS pela alteração de escalões e extinção da sobretaxa".
Mínimo de existência, mínimo de tributação
O mínimo de existência é um conceito que ajuda a proteger os rendimentos mais baixos, determinando um valor de rendimento abaixo do qual ninguém pode ser taxado. Até agora, apenas os trabalhadores por conta de outrem eram abrangidos por este regime, que é alargado no OE2018 para os independentes.
Ao mesmo tempo, o mínimo de existência deverá crescer de 8.500 euros para 8.847 euros.
A EY fez as contas e criou simulações que ajudam a entender os efeitos da medida, que poderá isentar 54 mil famílias do imposto, e reduzir o valor a pagar para outras três mil, como escreveu o Diário de Notícias, que também explicou que os contribuintes com rendimentos até 650 euros por mês, que pagavam cerca de 700 euros de IRS por ano, deixam de pagar o imposto.