Em 2011, os sírios juntaram-se à primavera árabe exigindo democracia, mais liberdade e o fim da corrupção. A resposta do regime foi brutal e deu início a uma guerra que provocou quase 389 mil mortos. Alguns sírios dizem que a revolução ainda não terminou, outros só querem uma vida normal.
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Ammar Alselmo era um professor de inglês em Alepo quando a primavera árabe começou. Quando as manifestações chegaram à Síria ele não se envolveu de imediato, mas acabou por ser contaminado pela esperança que se vivia. 10 anos depois, ouvido pela TSF, admite que é difícil outros entenderem o ambiente que se vivia. "Nós vimos uma janela de esperança. Foi inacreditável o que sentimos, é difícil de descrever. Nós sonhávamos eleger um governo, escolher um presidente. A janela de esperança rapidamente se transformou num inferno por causa do regime e da inação da comunidade internacional."
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Este sírio que ajudou a criar os capacetes brancos reconhece que a população está frustrada e até um pouco zangada com a falta de resposta do mundo. Ele admite que mesmo as pessoas que acompanharam a situação no país já sentem uma espécie de "cansaço sírio" porque pouco muda e não há uma perspetiva de solução.
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Ammar Alselmo recorda que quando a guerra começou houve quem defendesse que a revolução continuava. Para esses os sacrifícios ainda podem dar frutos. "Muitas pessoas ainda acreditam que valeu a pena exigir liberdade e direitos. Exigir o fim da corrupção, pedir dignidade, direitos humanos e liberdade de expressão. Há outras pessoas que se sentem derrotadas e querem regressar às suas vidas mesmo que essas não sejam as que sonharam", explica.
Alepo foi a cidade em que nasceu e trabalhou até ter de fugir. Agora confessa que gostava de voltar a ser professor e recuperar a família que se espalhou por diversos pontos na Síria e no mundo. Com o avançar da guerra ele, que sempre viveu com a família alargada, acabou por ficar sozinho. Não há um dia em que não se lembre de momentos mais felizes.
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Ao fim de quase uma década a arriscar a própria vida para salvar a de outros, Ammar Alselmo aceita que o que viveu o mudou. Hoje é um homem mais endurecido por tudo o que viu, "às vezes sinto que estou vazio. Quando o meu pai morreu não consegui chorar. Isso é psicologicamente problemático. Todos os dias me lembro dos que morreram nos meus braços quando tentava salvá-los. Eu vejo muita escuridão na minha vida. Muita escuridão. Por outro lado eu ajudo as pessoas e sinto-me feliz por isso. Vejo que gostam de mim, confiam em mim. Os capacetes brancos transformaram-se numa espécie de heróis."
Aos poucos e com o abrandar do ritmo de bombardeamentos e combates os capacetes brancos começaram a executar outras tarefas. Fornecem equipamentos de proteção contra a Covid-19, ajudam a arranjar estradas e tentam que as vidas dos deslocados internos sejam mais fáceis.
Ammar Alselmo, tal como milhões de sírios, lamenta que ainda não se tenha feito justiça. Os que bombardearam, desencadearam ataques químicos contra o povo, torturaram e executaram mantém-se no poder, "ao fim de 10 anos já deviam ter sido responsabilizados."
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Apesar de a pandemia ter diminuído a intensidade da guerra a repressão não abrandou. Nas zonas controladas pelo regime há quem continue a desaparecer sem deixar rasto. Um dos últimos foi Mazen al-Hamada, um dos ativistas sírios mais conhecidos. Depois de brutalmente torturado ele conseguiu fugir do país para contar o que lhe aconteceu. Viajou pela Europa, pelos Estados Unidos e tornou-se numa importante testemunha contra o regime de Bashar Al Assad.
Há alguns dias o Washington Post contava que desiludido com a falta de uma resposta internacional e sem conseguir ultrapassar a culpa de sobrevivente ele preferiu regressar à Síria, mas desapareceu mal aterrou no aeroporto de Damasco.