Do modelo eleitoral "herdado de Salazar" a Portugal como a "lavandaria preferida" de quem rouba

Julio Pacheco Ntela/AFP
No Fórum TSF desta terça-feira, o foco esteve na evolução das relações bilaterais entre Portugal e Angola ao longo das últimas cinco décadas. Apesar da independência "marcada por muito sangue", também houve contributos "decisivos" para que fossem reunidas as condições de paz
Corpo do artigo
Os 50 anos da independência de Angola deram origem a reflexões sobre a evolução das dinâmicas deste país com o Estado português. No Fórum TSF desta terça-feira, o modelo eleitoral "herdado de Salazar", a transformação de Portugal na "lavandaria preferida para aqueles que roubam o povo angolano" e o seu papel "decisivo" para as condições de paz foram nomeadas como condições essenciais para decifrar a relação entre estas duas nações.
A embaixadora Ana Gomes começa por reconhecer as "fortes ligações" entre os dois Estados, que resultam do "sangue da História, da língua e desse ansiar por um futuro melhor pela juventude", mas vinca que Portugal tem sido "inconsequente" com os PALOP.
"Há muitos aspetos em que não somos sequer fiéis àquilo que dizemos que deve nortear as nossas relações, em particular com países que têm essa fortíssima ligação connosco, como é o caso de Angola e todos os países de língua portuguesa", argumenta.
Nota, contudo, que alguns desses problemas são "herança" direta do colonialismo, tendo em conta sobretudo a forma como o país deixou Angola, que só viria a cumprir a promessa de paz em 2002. Mas tal não foi acompanhado de grandes alterações no cenário político e, por isso, dá exemplos mais concretos sobre a forma como Portugal tem falhado.
"[Com a promessa de paz] não veio a boa governação. Veio a corrupção desenfreada e, aí, Portugal colaborou indecentemente. Portugal transformou-se na lavandaria preferida para aqueles que roubaram e roubam o povo angolano", acusa.
O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros António Martins da Cruz faz, contudo, um enquadramento mais positivo das relações bilaterais entre os países, destacando desde logo a evolução ao longo das últimas cinco décadas.
"Não podemos esquecer que Angola, logo a seguir à independência, entrou num processo muito doloroso de guerra civil - que durou até quase ao ano 2000. Aliás, a paz só foi feita no princípio do ano de 2002. E Portugal contribuiu decisivamente para as condições de paz em Angola", sublinha.
Desde então, diz, as dinâmicas "evoluíram muito favoravelmente" e recorre ao discurso do embaixador de Portugal em Angola, Francisco Alegre, para justificar este entendimento.
"Francisco Alegre, num discurso que fez na presença do Presidente, recordou que neste momento há 130 mil portugueses a viver em Angola, quase 90 mil angolanos a viver em Portugal e há 2500 empresas portuguesas que estão presentes no mercado de Angola", assinala.
Já João Soares, que tem sido observador em vários processos eleitorais, recupera a ideia de que a história da independência de Angola está "marcada por muito sangue, muita violência e muita intolerância". E estes fatores contribuíram aponta para uma "matéria de facto", que é "decisiva" reconhecer-se: nunca houve eleições livres em Angola.
"O modelo eleitoral de Angola desde 1992 - que foram as primeiras eleições - é aquele que eles herdaram de Salazar e Marcello Caetano: são fraudes eleitorais completas", denuncia.
Apesar de reconhecer a existência de um "pluralismo político" na Assembleia Nacional Angolana, reforça que, até agora, não existiu nunca naquele país um processo eleitoral verdadeiramente livre.
"Eu nunca fui observador aí, mas fui observador em muitos outros lados e sei distinguir uma eleição séria, de uma fraude eleitoral. E o que tem havido em Angola foram sempre fraudes eleitorais", insiste.
