Independência de Angola. Aniversário 'redondo' permite avaliar com "distanciamento e isenção" relação com Portugal

Julio Pacheco Ntela/AFP
À TSF, Vítor Ramalho, antigo secretário-geral da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa, sublinha que as dinâmicas entre os dois países estão hoje "muito amenizadas", mas sublinha que ainda há caminho a percorrer para tornar este vínculo mais próximo
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O antigo secretário-geral da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA) Vítor Ramalho considera positivo que passados 50 anos da independência de Angola seja agora possível avaliar o passado com distanciamento e isenção.
Em declarações à TSF, Vítor Ramalho é angolano e continua a ter uma ligação umbilical ao país onde nasceu, apesar de ter abandonado o país para estudar direito em Lisboa.
Foi uma das figuras centrais no processo de mobilização do I Congresso dos Quadros Angolanos no exterior, que enquadrou o processo de paz para Angola, em Bicesse, em 1990, e continua a ser um colaborador regular no grupo de media angolano Expansão.
No dia em que se assinalam os 50 anos da independência do país africano, uma data redonda, Vítor Ramalho destaca o facto de haver uma série de iniciativas à volta do aniversário da independência de Angola. Dá o exemplo o livro que vai ser lançado esta terça-feira pelo antigo ministro da Economia António Costa e Silva "Angola aos Despedaços: 50 anos Depois, Que Futuro?".
Estes projetos, defende, têm permitido que ambos os países possam fazer uma avaliação do ponto de vista histórico sobre o relacionamento que partilham ao longo de séculos com maior isenção.
"Passados 50 anos, é possível avaliarmos as situações com um distanciamento que não havia na altura e fazê-lo com a maior isenção possível", assinala.
Estas iniciativas, acrescentam, "repescam" acontecimentos históricos", enquadrando-os à luz da atualidade. "E isso é positivo", clarifica.
Considera igualmente que as relações entre Portugal e Angola estão hoje "muito amenizadas" quando comparadas com um passado relativamente recente, sobretudo porque o quadro complexo internacional permitiu que os Presidentes da República estivessem conscientes da sua "imprescindibilidade".
"Porque a língua portuguesa não se exprime apenas no contacto que as pessoas têm na intermediação da fala entre povos. É hoje considerada uma das línguas mais importantes à escala planetária e isso é uma força económica muitíssimo importante que, por exemplo, a China não descurou. É por isso que Macau é a porta de entrada da China nos países de língua oficial portuguesa", argumenta.
Ainda assim, o antigo secretário-geral da UCCLA defende que há caminho a percorrer para tornar este vínculo mais próximo e nota que isso não acontece de um dia para o outro.
"O desenvolvimento da relação com Portugal também não será para amanhã. Mas o que é importante é que as condições que existem - quer à escala planetária, quer ao nível da relação entre os dois povos e países - permitem, se olharmos para um futuro distante, que seja absolutamente fundamental isso ser salvaguardado", sublinha.
Particularmente, o triângulo Euro-Afro-América Latina é "extraordinariamente relevante para o futuro" e, por isso, a CPLP deve dar "passos mais elevados" no reforço das questões comuns.
"E aqui há uma grande debilidade da nossa parte, que envolve as relações com Angola. Tem-se descurado essa questão", alerta.
Numa altura em que Angola está apenas a dois anos das eleições presidenciais, Vítor Ramalho admite que serão necessárias décadas para diminuir as desigualdades enfrentadas pela população, desde logo porque o crescimento económico não cresce ao passo do crescimento demográfico.
"Nós temos de ter a consciência do seguinte: Angola é o país de África com o maior crescimento demográfico - a população cresce 3% ao ano, o que não é uma coisa despiciente ou menor. Porque salvo este de 2025, em que o crescimento económico vai ser da ordem de 4,4%, no passado recente esse crescimento económico foi muitíssimo inferior ao crescimento demográfico, o que significa que o país, mesmo que crie mais riqueza acaba por distribuir menos, porque há muito mais população e, portanto, as desigualdades agravam-se", explica.
É assim fundamental que os partidos possam superar "as grandes tensões" para responder aos desígnios nacionais. E aponta que a chave para o desenvolvimento de Angola está na diversificação da economia.
"A total dependência do petróleo afetou seriamente todo o problema que tem a ver com a autossustentação do próprio país em termos da alimentação, por exemplo. E os setores económicos mais relevantes - que são a agricultura, a silvicultura e as pescas - é que têm sido sempre evidenciados como um elemento diversificador da própria economia", vinca.
O país não tem, até agora, sido capaz de responder de forma contínua a esta questão, pelo que acaba a importar muito daquilo que consome. Esta é, contudo, uma bola de neve, que além de obrigar o investimento em países estrangeiros, implica que Angola continue a ser "devedor" a Estados que "fizeram grandes investimentos".
"É o caso da China, que beneficia de pagamentos em petróleo. A situação em Angola, de futuro, envolve a priorização da diversificação da economia e isso tem a ver com respostas, quer ao nível infraestruturante. Porque, para haver diversificação da economia, tem de haver preservação dos produtos perecíveis na agricultura, e tem de haver uma mobilidade que Angola neste momento, infelizmente, do ponto de vista rodoviário, não tem na sua totalidade", atira.
