Após "muitos anos" de Narges Mohammadi na prisão e Nobel pode ajudar a "libertá-la"
O diretor executivo da Amnistia Internacional espera que o Nobel pressione as autoridades no Irão a libertá-la. Já o diretor de internacional da TSF tem menos esperanças que isso aconteça e a investigadora Ana Santos Pinto pede que se reflita sobre as consequências desta luta.
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O diretor executivo da Amnistia Internacional, Pedro Neto, destaca os muitos anos que Narges Mohammadi já leva na prisão e espera que este Nobel pressione as autoridades no Irão a libertá-la.
"A última vez em que ela foi detida - e continua - foi em 2021 e, portanto, tem trabalhado ao longo de muitos anos e dedicado a sua vida à defesa dos direitos humanos no Irão e à defesa da igualdade de género também no Irão. É uma mulher que merece muito esta luz porque ela também foi torturada com luz na prisão. Nós temos relatos, e ela é uma prisioneira de consciência nossa, de uma das torturas que lhe foi efetuada. Era como luzes intensas durante 24 horas por dia até em espaços confinados, dentro de uma sala confinada, inclusivamente sem acesso a ar livre e circulação de ar. Há também relatos de tortura que incluem chicotadas, além da privação do sono que já mencionei. Ela, por causa disto mesmo, sofreu bastante em termos de condições de saúde. Foram-lhe negados cuidados médicos. Uma das últimas ações urgentes por ela da Amnistia Internacional foi isso mesmo, para pressionar a que lhe fossem dados cuidados médicos. Ela passou também muito tempo ainda em regime de solitária. Oxalá que esta homenagem deste Nobel da Paz do Comité Nobel sirva sobretudo para trazer atenção e mediatismo a esta mulher que tem tanto feito pelos direitos humanos no Irão e isto pode ser uma ajuda grande para que a pressão sobre as autoridades os leve a atuar e a mudar a sua forma de estar e a forma como lidam com esta mulher e a libertem imediatamente", contou à TSF Pedro Neto.
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Ana Santos Pinto, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, recorda que em 2003 também Shirin Ebadi, uma advogada iraniana, foi a primeira mulher a vencer o Prémio Nobel da Paz no mundo muçulmano exatamente pelos direitos das mulheres.
"Esta luta pela liberdade, pela vida é muito para além do território do Irão e os direitos humanos que se defendem no Irão são direitos de homens e mulheres. O Prémio Nobel foi atribuído a um símbolo. Esta mulher é um símbolo da luta e é um símbolo da luta pelos direitos mais básicos da presença no espaço público, de poderem dançar e jantar sozinhas ou com as amigas, de poderem ser juízas, de poderem ocupar cargos de liderança e de poder expressar aquilo que as mulheres e os homens - porque ambos, mulheres e homens, não o podem fazer - têm de oposição ao regime no espaço público. Portanto, 20 anos depois, o Prémio Nobel volta a ser atribuído a uma mulher iraniana pela mesma causa, pelos mesmos princípios, o que eu acho que nos deve fazer pensar se efetivamente a conseguimos alguma luta com uma consequência evidente", defende Ana Santos Pinto.
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Na opinião do editor de internacional da TSF, Ricardo Alexandre, o Irão ignorar esta distinção de Narges Mohammadi, tal como tem ignorado tudo o resto.
"Como ao longo dos anos foi ignorando Shirin Ebadi que, aliás, fundou o movimento do qual Narges Mohammadi é vice-presidente. Creio que as autoridades iranianas costumam ignorar, passar olimpicamente por isto e nada mudar em relação ao tema de fundo que tem, obviamente, agora mais projeção de novo. O Nobel, neste caso, vai servir fundamentalmente para isso. O movimento "Mulheres, Vida e Liberdade" teve um pico de atração mediática global no ano passado e durante alguns meses a seguir à morte de Amini, mas acabou por sair dos radares. Tendemos a ocupar-nos rapidamente outras coisas e isto vai agora voltar a ser um assunto importante, um assunto mais debatido, sendo que Narges Mohammadi já é quase uma veterana em prémios, porque está presa desde 2016. Foi condenada a 16 anos de de prisão, mas recordo que ela em 2018 já recebeu o Prémio Sakharov para os direitos humanos, atribuído pelo Parlamento Europeu, e n o ano passado foi considerado pela BBC como uma das cem mulheres mais inspiradoras do mundo", acrescentou Ricardo Alexandre.
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Em novembro de 2021, Narges Mohammadi foi presa pelas autoridades iranianas depois de ter estado num evento em memória de uma vítima das manifestações de 2019.
Em maio do ano passado, a União Europeia apelou ao Irão para reconsiderar a sentença aplicada a Narges Mohammadi, mas sem sucesso. Em 2018, Mohammadi, que é engenheira, foi galardoada com o prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, atribuído pelo Parlamento Europeu.
Esta é a 19ª mulher a ganhar o Prémio Nobel da Paz e a segunda iraniana, depois de a ativista de direitos humanos Shirin Ebadi ter recebido o Nobel em 2003.