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Médica portuguesa integra o projeto europeu que pretende uniformizar protocolos e aproximar a qualidade dos cuidados oncológicos na UE
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A médica oncologista Ana Varges Gomes espera que, até ao fim da década, todos os pacientes europeus tenham igualdade de acesso ao diagnóstico, tratamento e inovação no combate ao cancro, independentemente do país ou da região onde vivem. A médica portuguesa espera que, dentro de poucos anos, seja possível "falar de uma taxa europeia de sobrevivência".
"O que pretendemos é que todas as pessoas tenham as mesmas oportunidades, quer em termos de tratamento, quer de diagnóstico", afirmou a médica-oncologista na Unidade Local de Saúde do Algarve em Portimão.
Em entrevista ao programa Fontes Europeias, da TSF, Ana Varges Gomes, que é responsável pela comunicação da Rede Europeia de Centros Integrados de Cancro, afirma que a Europa tem "excelência médica e científica", mas ainda não é acessível a todos. Por isso, defende que os hospitais devem trabalhar "em rede colaborativa", permitindo que "um doente tratado no Algarve, no Porto ou em Lisboa tenha o mesmo protocolo e a mesma confiança".
A médica afirma que a mesma lógica deve aplicar-se a nível europeu, onde o objetivo é "colocar todas as pessoas com a mesma oportunidade, quer em termos de tratamento, de diagnóstico", afirma a médica, esperando que assim possam "reduzir-se as desigualdades que existem".
O cancro é ainda a segunda causa de morte na Europa, responsável por 1,3 milhões de óbitos por ano, com 2,7 milhões de novos diagnósticos anuais e diferenças profundas entre os países da União Europeia: a Organização Mundial de Saúde e a Comissão Europeia têm alertado para as fortes desigualdades entre países. Por exemplo, as taxas de sobrevivência na Europa de Leste são entre 20 a 25% inferiores às da maior parte da Europa.
Atualmente, o acesso a terapias inovadoras é uma das maiores fontes de desigualdade. De acordo com o dados da Federação Europeia da Indústria Farmacêutica, o tempo médio de espera para a disponibilização de novos medicamentos na União Europeia é de cerca de 530 dias. Em Portugal, o prazo ultrapassa os 840 dias, colocando o país entre os mais lentos da Europa, a par da Roménia e da Bulgária.
A nível nacional também há desigualdades. "Há uma mortalidade maior na região do Algarve e nos Açores, em comparação com o Norte do país", referiu a médica, citando o último relatório do Registo Oncológico. As causas prendem-se à "falta de diagnósticos precoces, (...) ao número desigual de profissionais de saúde nos sítios e, obviamente, ao acesso a alguns tipos de tratamentos".
Ana Varges Gomes reconhece que "a União Europeia não tem ação direta na saúde", mas defende que a cooperação entre governos pode "criar um compromisso de pôr a Europa à mesma velocidade", promovendo uma maior convergência no acesso a tratamentos e na adoção de terapias de última geração.
"Não lhe vou dizer que, no final de 2028, quando a rede estiver operacional, vamos sentir logo impacto em todas as áreas, nomeadamente no acesso a medicamentos", admitiu, frisando que "o impacto económico" será uma das variáveis a ter em conta para aferir os resultados, num contexto em que "os sistemas de saúde são diferentes de país para país". Ainda assim, considera que o esforço conjunto permitirá "cada vez mais convergência e que os doentes possam ser tratados da mesma forma em qualquer sítio".
Segundo Ana Varges Gomes, estas disparidades explicam a necessidade de estruturar redes de cooperação dentro e fora do país. A médica defende que os centros mais diferenciados devem "partilhar protocolos e formação" com os hospitais regionais, melhorando o acesso a cuidados. "Os hospitais de proximidade têm de estar em articulação direta com os centros mais diferenciados", sublinhou.
A médica referiu que Portugal tem atualmente um único centro reconhecido como Comprehensive Cancer Centre capaz de integrar a rede europeia, o IPO do Porto, mas espera que possa vir a ter dois até 2028. "Em termos de população, a indicação serão dois centros, este do Porto, que já funciona, e idealmente um centro a sul", afirmou.
Para que isso aconteça, considera essencial que haja "vontade política". Pois, segundo afirma, "a vontade dos profissionais que estão envolvidos existe, o que é sempre bom, mas é preciso validar esta organização a nível político".
A Rede Europeia de Centros Integrados de combate ao Cancro (EUnetCCC), Ação Conjunta do programa EU4Health, envolve 163 parceiros de 31 países. O projeto prevê a certificação de 100 centros oncológicos até 2028 e o acesso de 90% dos doentes elegíveis a cuidados de alta qualidade até 2030.
O financiamento disponível, cerca de 120 milhões de euros para toda a rede europeia, representa, segundo Ana Varges Gomes, uma oportunidade de reforço de capacidades. "Há um financiamento [europeu] de 80% e de 20% de compromisso do Estado, o que é uma boa oportunidade porque é dinheiro extra que não vem do Orçamento de Estado."
"Esta rede é uma forma de nós conseguirmos recursos humanos em sítios onde não os há", afirmou a médica, frisando que isso será possível através da "organização em rede".
"Tudo correndo como planeado, esperamos que qualquer doente possa ter acesso aos mesmos tratamentos, aos mesmos meios de diagnóstico, à mesma informação, e que todos os profissionais de saúde possam ter as mesmas oportunidades de formação", afirmou.
"Esperamos que a Europa se torne um grande player na área da investigação clínica e que possamos ser vistos como um todo", afirmou a médica, que também espera um impacto ao nível da investigação. Com isto, Ana Varges Gomes acredita que os indicadores venham a demonstrar um maior equilíbrio entre os Estados e as regiões europeias, esperando "poder falar, finalmente, de uma taxa europeia de sobrevivência".