Maria Luís Albuquerque afirma que Bruxelas prepara "pacote sobre pensões de reforma"
Comissária defende que novas medidas europeias devem permitir que qualquer pessoa, mesmo com pequenas poupanças, prepare um futuro financeiro "mais seguro"
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A comissária Maria Luís Albuquerque afirma que Bruxelas pretende "apresentar um pacote sobre pensões de reforma", destinado a incentivar os Estados-Membros na criação de sistemas complementares às pensões públicas.
A iniciativa integra a União da Poupança e dos Investimentos, que pretende democratizar o acesso ao investimento e assegurar que "os cidadãos, as famílias, tenham oportunidades e incentivos para investir no seu próprio futuro". Trata-se, assinala, de responder à "demografia complicada" e reduzir o risco de insuficiência futura de rendimentos, afirmou.
Em entrevista ao programa Fontes Europeias, da TSF, Maria Luís Albuquerque defende que é preciso criar oportunidades a nível europeu, para que as famílias possam "pôr as suas poupanças a render", mesmo quando o rendimento disponível é "limitado".
A comissária salienta que uma das recomendações apresentadas, no segundo semestre deste ano, pela Comissão Europeia, inclui a criação de uma conta europeia de poupança e investimento sem montantes mínimos, sublinhando que isso permite a participação de quem dispõe apenas de pequenas quantias para poupar.
"Deliberadamente pusemos a proposta de que não haja montantes mínimos", afirma a comissária, frisando que este é um tipo de produto financeiro que se destina, por exemplo, a "uma família, [ou] um jovem, que tem um salário ainda relativamente baixo, [e que] só consegue pôr de parte 10 euros por mês, [então] tem de ser possível investir esses 10 euros".
A comissária recorda que Bruxelas apresentou, a 19 de março de 2025, a Comunicação sobre a Savings and Investments Union, um documento estratégico que estabelece as bases para mobilizar a poupança privada e canalizá-la para investimento produtivo. Sublinha que, apesar de se tratar apenas de uma comunicação e não de propostas legislativas, o documento abriu a porta a um calendário exigente de medidas futuras.
Albuquerque relaciona ainda esta agenda financeira com a conjuntura global. Refere que a Europa enfrenta mudanças estruturais e não transitórias: "a pressão competitiva da China", a evolução do relacionamento com os Estados Unidos e a necessidade de financiar transições estruturais, do clima à tecnologia. "Nós só conseguimos superá-los se pensarmos à escala europeia", diz, criticando a tendência para que cada país procure soluções isoladas.
Obstáculos
A comissária admite que a maior barreira à integração financeira europeia continua a ser política e cultural. "O que nos mantém um pouco atrasados (...) é a perceção, do meu ponto de vista errada, de que há algum conflito entre o interesse nacional e o interesse europeu", afirma, reconhecendo que persistem "fricções entre os mercados" e uma hesitação dos Estados-Membros em abrir mão de configurações nacionais que dificultam a criação de um verdadeiro mercado único de capitais.
É também por essa razão que Maria Luís Albuquerque caracteriza a pasta de Serviços Financeiros e União das Poupanças e Investimentos "como profundamente política", uma vez que o trabalho em curso não se limita ao domínio técnico, havendo muito trabalho de sensibilização dos governos nacionais para a "relevância" de serem criadas oportunidades para o investimento.
Sobre o receio de que a integração beneficie sobretudo os centros financeiros do norte da Europa, Albuquerque foi categórica: "Não há grandes centros financeiros na Europa." E acrescenta que, no contexto global, todos os mercados financeiros europeus "são pequenos" para competir com economias como a dos Estados Unidos. Por isso, o objetivo é ligar os recursos europeus e permitir que "todos possam ver todos", o que, segundo a comissária, favorece especialmente os países mais pequenos e periféricos, como Portugal ou a Grécia.
Justiça
A comissária destaca que o projeto não visa uniformizar comportamentos financeiros, mas criar condições de justiça e acesso igual. "Queremos muito que os cidadãos (...) tenham oportunidades e incentivos para investir no seu próprio futuro", afirma. Isto implica garantir mecanismos acessíveis a todos os rendimentos, "promover a literacia financeira" e assegurar que ninguém fica excluído das possibilidades de construir um complemento de investimento para o futuro.
Albuquerque salienta que "as más decisões financeiras custam mais a quem tem menos", insistindo na necessidade de capacitar os cidadãos para decisões básicas como "elaborar um orçamento familiar, usar um cartão de crédito sem risco ou comparar preços de forma eficaz".
"A literacia financeira é, na verdade, uma competência básica", realça, defendendo que estas noções devem ser desenvolvidas tanto nas escolas como no local de trabalho.
Impacto
O plano europeu tem duas dimensões: melhorar a vida das famílias e reforçar a economia europeia. A comissária afirmou que, do ponto de vista individual, o objetivo é que "o dinheiro que pouparem possa funcionar para lhes garantir melhores futuros financeiros". Se pequenos montantes forem colocados, desde cedo, "num investimento diversificado, sem grande risco (...) 30, 40 anos depois, pode fazer uma grande diferença na qualidade de vida".
A mobilização de poupanças internas terá também um efeito macroeconómico, permitindo às empresas "ser competitivas, crescer, criar melhores empregos e pagar melhores salários", frisa a comissária, convicta que por esta via será beneficiada toda a economia europeia.
Albuquerque confirma ainda que a Comissão apresentará em breve um pacote sobre pensões, estimulando os Estados-Membros a reforçarem sistemas complementares às pensões públicas.
A comissária reforça também que a Comissão não pretende orientar o dinheiro dos cidadãos e "não há (...) qualquer intenção, mecanismo, forma de afetar as poupanças das pessoas a qualquer objetivo em particular". E sublinha: "As pessoas poupam, é o seu dinheiro, devem pô-lo onde acharem que o devem pôr."
Calendário
Segundo Maria Luís Albuquerque, a Comissão prevê apresentar todas as medidas previstas "este ano e no próximo ano, talvez ainda um pouco no início de 27", antes de iniciar uma avaliação intermédia do mandato. A comissária reconhece a necessidade de "pôr coisas no terreno rapidamente", sublinhando que, após anos de promessas não concretizadas na área da União dos Mercados de Capitais e da União Bancária, existe hoje "um problema de credibilidade".
A comissária acredita que, se as medidas resultarem, as oportunidades devem tornar-se visíveis a curto prazo, tanto para as famílias como para a economia. "A conjugação das duas coisas funciona bem para todos", resume.