Dez anos após o atentado ao Bataclan, o som da memória persiste. "Todos os filmes de terror o fazem: não se vê o assassino, mas ouve-se"

Dimitar Dilkoff/AFP
Assinala-se esta quinta-feira dez anos desde os atentados de 13 de novembro de 2015, em Paris, uma noite que marcou a cidade e o país. Os ataques coordenados em vários pontos da capital francesa, incluindo o Bataclan, causaram 130 mortos e mais de 350 feridos
Paris assinala, esta quinta-feira, os dez anos dos atentados de 13 de novembro de 2015, com cerimónias oficiais e homenagens às vítimas. No novo jardim memorial, situado na Praça Saint-Germain, familiares, sobreviventes e autoridades participam numa cerimónia simples, com a leitura dos nomes das vítimas, flores e um minuto de silêncio. Na Praça da República, ecrãs gigantes vão transmitir o evento, permitindo que qualquer pessoa se junte à homenagem.
Naquela noite de 2015, o Bataclan estava cheio. A banda Eagles of Death Metal atuava perante uma plateia de cerca de 1500 pessoas, quando três homens armados entraram na sala e abriram fogo. O que deveria ser uma noite de festa transformou-se numa armadilha mortal.
Entre o público, muitos ainda recordam o momento exato em que tudo mudou. Um sobrevivente lembra-se de estar junto ao bar, quando viu as luzes apagarem-se e sentiu "o mundo cair". Outro descreve o instante em que o som se tornou estranho, fora de lugar, um ruído que não combinava com a música. Disse que ouviu um "boom" seco, dissonante, e que nesse momento um amigo, que tinha visto os atiradores chegarem, voltou a correr para dentro da sala, bateu-lhe no ombro e gritou: "Baza!" Quando olhou para a esquerda, viu as armas a cuspir fogo.
A energia era máxima, o ruído ensurdecedor e a viragem foi brutal: primeiro, sons incompreensíveis; depois, a verdade aterrorizante que o corpo assimilou antes da mente. Um sobrevivente recorda: "Passámos de um universo extremamente ruidoso, o grupo que estávamos a ver não era dos mais calmos, a um silêncio absoluto. Nunca estive tão concentrado no que ouvia." O medo nascia do invisível, do som que deixava de ter origem. "O problema é quando já não se vê a fonte sonora. Isso cria angústia. Todos os filmes de terror o fazem: não se vê o assassino, mas ouve-se. O importante era, acima de tudo, não fazer barulho", acrescenta.
Para o investigador Arnaud Norena, diretor de investigação no CNRS, essa reação é instintiva. Explica que a audição funciona como um verdadeiro "sistema de vigilância do organismo". Em situações de perigo, o ouvido antecipa o olhar:
"O sistema auditivo pode ser considerado o sistema de vigilância do corpo. Quando vivemos numa "selva urbana", como Paris, estamos imersos num ambiente sonoro tridimensional. Se algo se destaca, o corpo reage: viramos a cabeça, focamos, preparamo-nos."
Segundo o investigador, o som pode colocar o corpo em tensão e desencadear o reflexo de sobressalto, uma reação motora imediata que ocorre antes mesmo de o cérebro compreender o que está a acontecer. "A consciência é momentaneamente desligada. De repente, não pensamos, só reagimos."
O Bataclan, outrora símbolo da noite parisiense, transformou-se num espaço de memória. Um ano depois dos atentados, reabriu com um concerto de Sting. O músico subiu ao palco sozinho, em tom contido, quase em sussurro. Não era apenas um concerto: era um gesto de resistência, uma maneira de dizer "estamos vivos". Desde então, a sala voltou a encher-se, mas há sempre um momento, antes da música começar, em que todos respiram fundo, como se o silêncio daquela noite de 13 de novembro de 2015 tivesse ficado ali, à espera.
Dez anos depois, Paris aprendeu a conviver com a ferida. Alguns sobreviventes escreveram livros; outros optaram pelo silêncio. Hoje, o Bataclan continua a vibrar, não apenas com o som, mas com a memória e com a força teimosa de uma cidade que insiste em viver.
