Estamos mesmo a tirar o pé do acelerador? A falta de esperança de quem esteve na COP 27
Até sexta-feira, continua o debate em Sharm El-Sheikh para encontrar novos compromissos no combate às alterações climáticas. A TSF conversou com Catarina Semedo de Oliveira, uma jovem de 20 anos, que viveu na primeira pessoa a Conferência do Clima das Nações Unidas.
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É uma conferência de gente grande, com grandes problemas em cima da mesa. Os números oficiais dão conta de que na COP 27, que decorre até ao final desta semana em Sharm El-Sheikh, no Egipto, são esperados mais de 120 líderes mundiais. Joe Biden, Emmanuel Macron, os estreantes Rishi Sunak e Olaf Scholz e o primeiro-ministro António Costa são alguns dos responsáveis políticos que fizeram ouvir as suas preocupações para com o futuro do planeta.
Mas a diversidade da COP 27 faz-se também das pessoas comuns que dão forma e vida a um debate que, pelas decisões que podem vir a surgir, vai tocar o quotidiano de milhões e milhões de pessoas pelo mundo fora. Ir ao Egito e estar no centro do debate mundial não está nas mãos de qualquer um - muito menos de um jovem -, mas a audácia e o trabalho podem ajudar. Foi o que aconteceu com Catarina Semedo de Oliveira. A jovem de 20 anos, natural de Ílhavo, já soma no currículo algumas experiências internacionais em organizações ligadas à educação ambiental, como é o caso da Foundation for Environmental Education. A fundação lançou um concurso com a oportunidade de dois jovens poderem viver a COP no Egito. Catarina candidatou-se e acabou por ser uma das escolhidas.
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Com Émer, uma jovem da mesma idade da Irlanda do Norte, viveu uma semana de contacto com um debate que centra atenções em todo o mundo. "Acho que só percebi para onde ia mais perto da data, quando tive de ir à embaixada do Egipto para conseguir o visto e tive de lidar com todas as formalidades", conta Catarina à TSF.
A jovem, regressada a Portugal este domingo, já sabia que dificilmente iria encontrar os protestos de ativistas que, noutros anos, marcaram a agenda desta cimeira com a chancela da ONU. A repressão é intensa, e nos últimos dias têm-se somado as denúncias de detenções. A Amnistia Internacional, por exemplo, já veio denunciar a detenção de cerca de 1600 pessoas desde o início da COP 27. Os poucos momentos de contestação que Catarina observou, deram-se "numa zona controlada, à qual nem toda a gente tinha acesso".
O contacto com a cultura do Egito foi praticamente nulo. Nestas duas semanas de conferência, segundo conta a jovem, Sharm El-Sheikh transformou-se numa verdadeira bolha. "Toda a cidade é muito pré-produzida. É uma cidade no meio do deserto, à beira do Mar Vermelho, cheia de resorts, onde os turistas vão com dois grandes objetivos: ou fazer mergulho, ou apreciar um bom nascer ou pôr do sol. Não sinto que tenhamos vivido o espírito de uma cidade do Egito, e essa foi precisamente uma das críticas que ouvi de muitas das pessoas que estavam a participar na COP", afirma.
Por entre os pavilhões, os projetos e as associações que foram partilhando as suas histórias na COP, Catarina não esconde que há relatos que traduzem o porquê de um debate sobre o que fazer para travar as alterações climáticas nunca ser apenas um debate a mais. "Conheci uma senhora que vive num local remoto nos EUA, que é conhecida como a 'Aldeia do Cancro'. Devido à elevada radioatividade, praticamente ninguém naquela aldeia chega ao fim da vida sem sofrer de algum tipo de cancro ou outro problema de saúde", relembra.
É ao ouvir histórias como esta que a vontade de luta de Catarina não esmorece. "A partir do momento em que metes um rosto a essas histórias e percebes que são pessoas como tu, e que apenas pelo local onde nasceram já estão tendencialmente expostas a esses riscos, a tua vontade de agir e mudar as coisas torna-se ainda maior", confessa a jovem.
A nível individual, Catarina vive essa vontade, mas a título coletivo reconhece que a esperança em Sharm El-Sheikh tem vindo a diminuir com o passar dos dias. "Com o andar da cimeira, sinto que essa esperança se desvaneceu. E houve muita gente a duvidar do propósito da Cimeira. Se a ideia passava por pensar novas medidas e financiamentos para o combate à crise climática, porque não esperar pelo próximo ano, quando as economias já estiverem mais recompostas dos impactos da pandemia e da guerra?", questiona Catarina.
Na primeira semana da COP 27, António Guterres deixou o alerta de que estamos numa "autoestrada rumo ao inferno climático". O secretário-geral da ONU pediu ao mundo para "tirar o pé do acelerador". Estamos mesmo a fazê-lo? "Gostava de acreditar que sim. Mas até agora sinto que não tenhamos feito tudo o que estava ao nosso alcance para mudar o pé do acelerador para o travão", responde. Até sexta-feira, o mundo pode ainda decidir se e quando quer mudar de pedal.